O filme “Pro dia nascer feliz” aborda a questão da educação no Brasil. Para ilustrar o cenário desigual em que vivemos, nos são apresentadas diversas escolas, em situações diferentes, levando a (inevitavelmente) compararmos uma com a outra.
É possível problematizar diversas questões ao ver o filme. Problemas como evasão escolar, analfabetismo funcional, além do descaso na manutenção de escolas públicas (com pouca verba pública destinada para mantê-las) são comuns1.
Os alunos das escolas públicas apresentadas, em sua maioria, não têm chance sequer de sonhar. A aluna Valéria, talentosa poetisa mirim e que estuda numa cidade no interior de Pernambuco, escreve em seus textos que crê que sua vida deveria “ser normal”, como a de qualquer criança que possui acesso à infância e a adolescência de forma saudável. No entanto, as dificuldades de sua vida e de sua situação a impedem, já que não pode ir para a escola todos os dias ou não pode se dedicar porque precisa trabalhar e ajudar em casa.
Os alunos do subúrbio do Rio de Janeiro, apesar de não escreverem poesia, também pensam da mesma forma. Até a localização de sua escola (a poucos metros de uma boca de fumo) não os permite ter um referencial de um futuro diferente. Aliás, é até atrativo em alguns casos abandonar a escola, já que existe um certo status social para os membros da comunidade que atuam no tráfico. Estes passam a ter acesso ao dinheiro de forma fácil e simples (até elementos mais rotineiros acabam por serem glamourizados, como andar armado). Para não entrar neste universo, é exigido muita maturidade e responsabilidade dos jovens.
O que podemos concluir brevemente, é que eles teriam mais interesse pela escola e pelo estudo se souberem que terão oportunidades de crescer. Se lhe fossem dadas todas as oportunidades eles poderiam ser melhores. Se tiverem acompanhamento adequado para resolver suas dúvidas e dificuldades na escola, eles se desenvolvem no ritmo desejado. E não basta somente ter oportunidades na educação, mas sim ter outros elementos importantes na vida social como um todo. (Em suma, eles conhecem que “precisam estudar para ser alguém na vida”. Muitos, também, possuem talentos que transcendem a escola. São alunos que poderiam servir muito bem a sociedade, mas os desperdiçamos por falta de atenção e cuidado, num lugar onde não tem seus conhecimentos e experiências valorizados). O que é evidente é que as escolas precisam mudar a sua estrutura. Precisam ser mais democráticas, horizontais e abertas, além de pertencentes ao século XXI, que é dinâmico.
Os professores, em todas as escolas, passam pelos mesmos problemas e situações. Existe o drama do professor que se envolve com os alunos por causa dos problemas destes. Existe o problema, que são os professores que faltam muito do trabalho. E existe a relação com o aluno. Na maioria das vezes, nas escolas públicas, o professor é visto como inimigo. Talvez, seja até por conta disto, desta rivalidade com os alunos (e o conseguinte desrespeito mútuo) que todos ficam desmotivados. Outro elemento, é que o professor não é valorizado.
No fim das contas, mudar passa a ser muito difícil. Ao reter um aluno, reprovando-o (visando a sua melhora e aprendizado), o professor precisa cumprir uma série de exigências burocráticas. Tais exigências são tão complicadas que, para facilitar o trabalho, os professores acabam ignorando os problemas. Assim sendo, é mais fácil adotar o que está sendo feito, mantendo o status quo, do que mudar ou revolucionar (um dos fatores que fazem com que a educação sempre seja a mesma, com os mesmos problemas, é este).
Após apresentar três escolas públicas diferentes, mas com problemas semelhantes, o filme nos mostra uma escola de elite, localizada em bairro de classe alta no estado de São Paulo. É evidente o contraste (da elite com os demais). Os jovens que pertencem a esta realidade possuem de tudo. São livres para sonhar e não desejam morrer. Para eles, a vida é boa, por mais que exista m um ou outro problema (como um namoradinho, uma briga com os pais ou um desentendimento com um colega). O maior sacrifício que eles podem fazer é “deixar de ter aula de natação para estudar mais”.
Abandonar a escola para estes alunos é impensável. Caso algum deles não consiga boas notas, a escola não tem dificuldades em se mobilizar para atendê-lo (bem como os pais, que contratam professores particulares).
Outro elemento interessante a ser observado nesta escola particular específica é a questão racial. Não é possível ter contato com nenhum aluno que seja negro, o que é reflexo de uma sociedade que discrimina estruturalmente (e tem reflexos claros na educação).
Para finalizar, lanço algumas perguntas: a estudante, que é poetisa e tem talento, será que ela terá a mesma oportunidade do que as outras estudantes das escolas particulares? Se caso ela fosse branca e paulista, de classe média ou alta, será que poderia já ser conhecida no país inteiro? Será que ela conseguirá ser aprovada num vestibular de uma universidade pública? E se este documentário fosse construído hoje, neste momento pandêmico, que cenário observaríamos?
Em uma frase dita no filme, podemos resumi-lo todo:
Todo mundo sabe dos problemas da educação, mas ninguém faz nada.
Precisamos mudar esta realidade. Urgente.
1 – Os investimentos em educação trazem diversos benefícios para o país. Ao descrevê-los, podemos notar quase que um efeito cascata. Por exemplo, ao melhorar a qualidade da educação e a oferta no número de vagas para mais crianças e jovens, aperfeiçoaríamos, além dos seus próprios conhecimentos e da sua formação humana e cidadã (o que ajuda a viver uma vida melhor e entender o mundo no qual se vive), suas condições no mercado de trabalho. O investimento em pesquisa aumentaria o interesse econômico no país, incrementando os postos de trabalho. Com o equilíbrio na balança social, com a garantia da equidade da educação e de oportunidades, poderíamos almejar a longo prazo diminuir a desigualdade social.
Imagem de destaque: Copacabana Filmes / Divulgação