República e Educação

No próximo dia 15 de novembro comemoramos o 127º aniversário da República brasileira. Único na América, o Império Brasileiro foi projeto longevo de nossas elites e gozou de razoável estabilidade política e legitimidade social, apesar (ou por causa?) da contínua alternância no poder entre conservadores e liberais. Tal projeto, no entanto, viu suas bases políticas, sociais, econômicas e culturais serem corroídas por razões variadas, entre elas uma intensa propaganda republicana que reiterava as mazelas do regime imperial e exaltava as qualidades da República que, enfim, incorporaria o povo à nação.

Em 15 de novembro de 1889, para Aristides Lobo, o povo teria assistido bestializado a proclamação da República, indicando que o evento de fundação do novo regime poderia ser caracterizado muito mais como um golpe de Estado, liderado por Deodoro da Fonseca, um militar, do que um movimento popular mais abrangente. A pouca importância da participação popular nos destinos da República se explicitaria cada vez mais nos anos e décadas seguintes, a despeito dos contínuos lamentos das elites e, mesmo, da crescente organização dos trabalhadores.

Não se pode dizer, no entanto, que no período que antecede e no que sucede a proclamação da República a educação tenha sido esquecida. Pelo contrário, como já disse Jorge Nagle, houve, no período, um verdadeiro entusiasmo pela educação, sendo debitados à sua ausência todos os males da Nação. Enquanto defendia a educação, nossa elite política e empresarial atualizava continuamente concepções e práticas racistas e antidemocráticas e não poupava esforços para evitar reformas e reconhecimento de direitos da maioria da população. Na falta de educação, sempre lamentada, garantia-se o status quo com a segregação racial, social e cultural ou por meio da pura e simples repressão policial.

Ao longo do século XX pouco mudou a ação política de nossas elites políticas e empresariais: sempre se lamentou a ausência da educação, essa que resolveria todos os nossos males, e se cuidou de construir um aparato jurídico, legislativo, militar e cultural de atualização e expansão das desigualdades. A cada tentativa dos movimentos sociais e das forças progressistas de fazer reformas que avançassem minimamente no combate às desigualdades, inclusive escolares, a resposta foi mais e mais repressão e recrudescimento da cultura política autoritária, inclusive com longos períodos de Estado de Exceção, como sabemos.

O momento em que estamos vivendo nos dá claras mostras de que, mais uma vez, a um período em que buscou avançar no reconhecimento de nossas diversidades e no combate às várias formas de desigualdades se segue um movimento e um momento de intensa rearticulação das forças conservadoras e reacionárias, objetivando a manutenção das condições de reprodução do capital e de superexploração da maioria da população.

Não por acaso, também, mais uma vez a educação é estabelecida como a pedra de toque das reformas sociais e a arma poderosa contra as nossas desigualdades. A única diferença, talvez, é que não podendo mais falar da falta de escola, atribuem-se todos os nossos males à falta de qualidade da escola. Mais uma vez, investe-se simbólica e politicamente na educação, ao mesmo tempo em que se esvaziam as políticas de Estado responsáveis pelo combate às mesmas desigualdades.

A questão central, à qual temos que ficar atentos, é que não é possível fazer uma escola de ótima qualidade para todos e todas em um país tão desigual como o nosso. E, ao mesmo tempo, não é possível diminuir as nossas desigualdades e, mesmo, aumentar a qualidade da escola, atuando apenas no campo das políticas educacionais, por mais que essas sejam importantes.

O que importa é pensar num projeto de Brasil Republicano para a maioria de nossa população, e não para alguns poucos e para grupos estrangeiros endinheirados que se dispõem a adquirir nossas riquezas e força de trabalho a preço de banana. Sem políticas de desenvolvimento, sem políticas de emprego, sem políticas de assistência, sem políticas de transferência de renda, sem políticas de recuperação do salário mínimo, sem políticas de reconhecimento e fortalecimento das diversidades, sem que se faça mais política e se utilize menos a polícia, jamais teremos menos desigualdades e mais qualidade de vida para o conjunto da população.

O esquecimento de todas essas políticas e o apelo à educação como a grande responsável pela solução de todos os nossos problemas nada mais é do que a atualização de todos os mecanismos que, nesses 500 anos de história e nesses 127 anos de República, nos trouxeram até aqui. Inventar caminhos que nos afastem dessa tradição é um imperativo para nossas lutas atuais para que possamos, num futuro próximo, comemorar de fato a res-Pública! E não apenas no 15 de novembro!!

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