Representações

Wojciech Andrzej Kulesza

São inúmeras as analogias, os paralelos, as aproximações feitas entre a aula e o teatro. Tal como o ator, o professor, ao preparar a lição, assimila um roteiro a ser apresentado a um determinado público. Fruto de um trabalho coletivo, nem sempre reconhecido, a cena, em ambos os casos, pressupõe o interesse dos ouvintes. É uma reapresentação de algo anunciado que já faz parte da cultura e, embora seja apresentada pela primeira vez para muitos, é sempre uma première para todos. Embora contem com apetrechos e ritos distintos, algumas vezes eles se manifestam tanto na escola como no teatro. As campainhas de entrada, o ponto, o silêncio forçado, os aplausos e, mais raramente, o buquê de rosas para a estrela… É ineludível o compartilhamento da mesma relação social, hierárquica e prescritiva a informar o transcurso das sessões, tanto num caso como noutro.

As comédias e tragédias da antiga Grécia, o teatro elisabetano de Shakespeare, as encenações pelos jesuítas da Paixão de Cristo no Brasil colonial, as óperas e dramas românticos do século XIX, tal como as novelas televisivas modernas, não escondem seu caráter pedagógico. Enquanto nas arenas fala-se da vida cotidiana de quem assiste, condenando ou exaltando os comportamentos segundo os valores vigentes, nas escolas iniciam-se as crianças na moral, na civilidade, no civismo em vigor. Ainda que isso provoque o descrédito, a dúvida, até mesmo a mofa ou a repulsa, não importa: na falta de outra representação articulada do mundo impõe-se a visão dominante. Como a pedagogia da escola nova demonstrou no início do século XX, uma condição fundamental que sustenta essa situação é a passividade do público. Somente pela participação ativa do aluno, do espectador, pode-se quebrar essa ilusão.

Pela mesma época, Bertolt Brecht, por meio da técnica do distanciamento, propunha um teatro explicitamente didático. Ele considerava que, ao levar ao palco situações vivenciadas pelo público, oferecia uma oportunidade para que este refletisse com tranquilidade sobre aquelas situações e, com isso, aprofundasse sua consciência a respeito. Ao utilizar a catarse induzida pelo espetáculo para suplantar a passividade do público, Brecht fornecia uma ferramenta de conscientização, capaz de conduzir a plateia a realizar as ações propostas por um programa político revolucionário. Essa técnica de “distanciamento” da situação problema, ao fazer com que houvesse uma compreensão mais consciente das variáveis envolvidas, afastava o espectador do senso comum, de que a vida é assim mesmo e de que não há nada a fazer.

Essa era também a posição dos defensores da escola ativa, da construção pela criança de sua própria compreensão da realidade. Se o teatro dialético conta com a maturidade do seu público adulto, a nova pedagogia aposta no desenvolvimento natural da criança. Tal como a formação do professor passa pela compreensão da psicologia da criança, a preparação brechtiana do ator centra-se em sua compreensão da realidade encenada. A leitura coletiva do texto, a incorporação das experiências de vida do elenco, faz com que cada ator se torne sujeito de seu personagem, tornando assim a representação mais verídica para o público. O convencimento do público pressupõe o convencimento prévio do elenco, do mesmo modo que a aprendizagem dos alunos é diretamente proporcional a crença do corpo docente na eficácia do projeto pedagógico da escola.

O refreamento das emoções associadas aos eventos narrados no palco não significa a supressão das sensibilidades, mas o seu direcionamento para maximizar a fruição do prazer estético. Para Brecht, o êxtase causado pela beleza é um poderoso motivador de uma tomada de consciência que supere o lugar comum da compreensão fácil, por parecer conhecida, do acontecimento em foco no proscênio. Para ele, mesmo as cenas mais terríveis, mais dolorosas, por mais feias que possam ser, precisam ser apresentadas ao público com enlevo, para que seu encanto refreie os maus sentimentos. Essa busca de um prazer ético por meio das atividades artísticas nos lembra o permanente desafio de manter a alegria das crianças na educação infantil por meio da descoberta do conhecimento. Como é demonstrado pela característica contagiante do riso, o compartilhamento da alegria é uma garantia de que está tudo bem com a turma.

Nestes tempos em que a pandemia nos obriga a um distanciamento forçado, obrigatório, bem diverso daquele preconizado por Brecht, meticulosamente elaborado de forma a passar despercebido pelo público, no teatro vivo em que assistimos a dor, tristeza e morte avassaladoras, quase que se oculta a beleza da generosidade, da solidariedade, da humanidade, para com os enfermos e suas famílias. Estas qualidades humanas também podem ser percebidas na dedicação dos profissionais da educação ao exercer a distância o seu mister educativo, tarefa que desnudou ainda mais as precárias condições de trabalho existentes na maioria das escolas brasileiras. Todavia, com a moderna absorção do teatro pelo campo maior das artes cênicas, a analogia muda um pouco de figura, mesmo porque a própria aula também vem se transformando. Se antes o professor podia mirar-se no teatro como símile de sua prática, com o ensino remoto é muito mais cinema que está sendo mobilizado.


Imagem de destaque: ngelah / Unsplash

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