Relações Indivíduo sociedade e mudanças sociais (Parte I)

Antonio Carlos Will Ludwig

O título do artigo em pauta faz referência a duas entidades. Uma delas é o indivíduo. De maneira ampla podemos compreendê-lo como uma pessoa singular, separada e distinguível. A outra é a sociedade que também de maneira genérica podemos entendê-la como a totalidade das relações que ocorrem entre os seres humanos envolvidas por instituições e cultura.

O indivíduo assim compreendido pode ser conceituado de diversas maneiras. Se tomarmos como referência as clássicas escolas do pensamento esta variação aparece claramente. Para o Funcionalismo ele é uma entidade que exerce um papel na sociedade. Segundo o Estruturalismo ele é um ser profundamente  condicionado pela organização social. Para o Marxismo Dialético ele é um ente que faz a história de acordo com as condições objetivas que o cercam. Para a Fenomenologia ele é alguém modelado pelas influências sociais de modo peculiar, de acordo com suas particularidades. Para a Pós-Modernidade ele é um sujeito que tenta colocar em prática um projeto pessoal de vida.

De modo semelhante podemos conceber a sociedade. Segundo o Funcionalismo ela diz respeito a um todo no qual as partes se encontram harmonicamente conectadas e contribuem para a manutenção de seu equilíbrio. De acordo com o Estruturalismo ela se refere à uma configuração persistente dotada de um grupo de elementos intimamente ligados onde a alteração em um deles provoca alterações nos demais. Para o Marxismo Dialético ela é uma totalidade que se encontra em constante mutação. Segundo a Fenomenologia é uma entidade composta de diversos e complexos agrupamentos que se voltam para determinados fins aparentes ou dissimulados. De acordo com a Pós-Modernidade ela se apresenta como uma realidade aberta onde ocorrem articulações contingentes e precárias de pessoas e grupos em torno de demandas específicas. 

Embora os entendimentos sejam divergentes, é possível inferir que nenhum deles assevera que a sociedade tem uma existência própria acima dos indivíduos e nem os indivíduos possuem uma existência própria acima da sociedade. Consequentemente, nenhuma delas assevera também que a liberdade do homem e o controle da sociedade são absolutos. Pode-se perceber então que a vida social se manifesta na forma de um conjunto de ações e  interações contínuas e variáveis entre as pessoas, as quais são responsáveis pelas inúmeras transformações que emergem no decorrer do tempo.

Existem diversas concepções teóricas a respeito da mudança social. A teoria da evolução linear em direção ao progresso se baseia no avanço dos conhecimentos técnicos e científicos. Uma  das teorias cíclicas indica a ocorrência das fases de crescimento, maturidade e decadência. Dentre as teorias dos estágios tem-se a das fases teológica, metafísica e positiva.

Ainda no âmbito da teorização cabe apontar a existência de duas formas básicas de alterações: as conjunturais e as estruturais. As primeiras são pertinentes às conjunturas. Uma conjuntura pode ser entendida como a associação de vários elementos que evoluem rapidamente no decorrer do tempo. Dentre as modalidades de conjuntura podemos citar a política  e a econômica. Um traço muito importante dela é a possibilidade de fazer previsões que podem ocorrer a curto, médio e longo prazo.                                                                              

Apenas para fins de exemplificação mencionamos que uma conjuntura econômica é composta pela moeda, crédito, preços, empregos, consumo, poupança e investimento dentre outros componentes. O ato de fazer previsões ou de prognosticar é precedido pelo ato de diagnosticar. Este segundo tem o sentido de evidenciar o encadeamento dos fenômenos observados enquanto o primeiro tem em mira enunciar as perspectivas futuras ou as novidades  que podem aparecer mais à frente.

As alterações estruturais por sua vez fazem referência às estruturas. Dada a sua complexidade, o termo estrutura precisa ser analisado  mais detalhadamente. De modo semelhante à conjuntura, a palavra estrutura faz referência a um grupo de componentes solidários entre si. Estes componentes se encontram interrelacionados, ou seja,  cada um deles está relacionado com os outros e com a totalidade.    

Embora uma determinada estrutura possua um caráter diacrônico, isto é, tenha sido formada no decorrer do tempo por meio da transformação e da evolução de um conjunto de elementos, sua marca distintiva é a sincronia, ou seja, a simultaneidade, a concomitância e a tendência à estabilidade, à invariabilidade e à durabilidade. A sincronia é o fator preponderante da concepção estruturalista que após Lévi-Strauss adentrou significativamente na área das ciências sociais e humanas. 

Segundo a cosmovisão estruturalista as  realidades objetiva e subjetiva são constituídas por estruturas que regulam a conduta humana. Esta visão de mundo coloca em segundo plano a individualidade, a liberdade e a singularidade da pessoa. Nela o homem aparece como um ser profundamente condicionado pelo ambiente que o cerca, como um ente dotado de uma capacidade reativa extremamente baixa, quase nula. 

De maneira sintética é possível  dizer que a estrutura se caracteriza pela não intencionalidade, pela inconsciência e pela incoerência na maioria dos casos. As relações entre seus componentes  é de uma natureza tal que qualquer mudança em um deles provoca alterações correlatas. Embora as mudanças possam resultar em desfigurações, normalmente persiste a característica fundamental do conjunto. Pode acontecer também de certas alterações atingirem um grau tão elevado que seu caráter básico não mais se preserva. Neste caso ela é substituída por outra de tipo diferente, mas com propriedades análogas.                       

Ressalte-se que uma estrutura pode ser transformada em sistema. Para tanto ela precisa ser  colocada perante a consciência e ser submetida a um processo de reflexão para eliminar suas incoerências e determinar sua finalidade. É necessário que este processo de reflexão seja contínuo para evitar que ele volte a se comportar como uma estrutura.

Podemos mencionar como exemplo de concepção estruturalista a epistemologia de Jean Piaget a qual propõe que o conhecimento é uma elaboração contínua resultante das interações entre o sujeito e o objeto no decorrer do tempo. No entanto, esta elaboração ocorre em função dos diversos estágios pelos quais passa o indivíduo. Tais estágios são considerados como estruturas auto reguláveis que se sucedem desde a infância até a adolescência.

Outro exemplo se encontra no marxismo. Tanto na Ideologia Alemã quanto no Capital, Marx faz referência aos vocábulos infraestrutura e superestrutura. O primeiro se refere à instância econômica da sociedade e o segundo diz respeito aos seus níveis político e ideológico. A categoria de totalidade, essencial no marxismo,  envolve a produção material, a produção das relações sociais e a produção de ideologias. Lembramos, entretanto, que o estruturalismo de Marx, diferentemente do de Strauss, é marcadamente dialético. Assim sendo a diacronia é o elemento destacado, haja vista sua proposta da alternância dos modos de produção no decorrer da história por meio da ocorrência de saltos qualitativos.


Imagem de destaque: Manfred Antranias / Zimmer 

 

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