Editorial da edição 280 do Jornal Pensar a Educação em Pauta
Nos dias que correm, um conjunto expressivo de atores públicos tem manifestado a ideia de que é preciso reinventar a escola. Muitos deles advogam até que a pandemia veio “antecipar o futuro”, buscando ler na situação atual em que vivemos ares de alguma positividade. Na verdade, como já afirmamos aqui, a ideia de crise da escola e de que ela é uma instituição atrasada em relação ao seu tempo, nasceu junto mesmo com a escola moderna.
A escola, tal como nós a conhecemos hoje, foi uma instituição inventada no transcurso dos séculos XVII e XVIII. Naquele momento, em que era fabricado o conjunto das instituições que ainda hoje governam nossas vidas, a escola era também organizada como uma estratégia de formação dos sujeitos humanos que deveriam habitá-las e pô-las em movimento. O Estado Nacional, a fábrica, a família, a igreja, as cidades e os complexos urbanos, o hospital, a prisão, a democracia… tudo isso pensado na interdependência com a escola.
No entanto, pelo menos a primeira metade do século XX, momento em que os Estados Nacionais assumem a responsabilidade por expandir a escola pública, inclusive como estratégia para evitar “novas” revoluções que ameaçassem os poderes instituídos, explicita continuamente que a escola está em crise e que precisa ser reformada. De lá para cá essa perspectiva de que a escola não é contemporânea do seu tempo foi e é continuamente repetida.
Dois séculos depois, em meio à pandemia, muito se diz sobre a necessidade de se reinventar a escola. E essa reinvenção, de certa forma, já estaria sendo antecipada pela compulsoriedade do uso da internet, das tecnologias digitais, das novas plataformas e, mesmo, por pacotes instrucionais produzidos transnacionalmente para a educação remota. A “nova normalidade” educacional seria, segundo alguns, a da reinvenção da escola que viria pela intensificação do uso das tecnologias, pela educação à distância e, assim, pela garantia do “direito à aprendizagem”.
Sem desconsiderar o enorme impacto que certamente advirá para a escola, a presença cada vez maior das tecnologias nos processos de ensino e aprendizagem, é preciso interrogar sobre os sentidos emprestados à reorganização escolar em curso. Tais sentidos não são neutros e guardam profundas relações com os projetos de manutenção e/ou de transformação da sociedade profundamente autoritária e desigual que aqui construímos.
Se queremos reinventar a escola na perspectiva de um projeto político de transformação radical do Brasil em direção a mais democracia e mais igualdade, sem violência, sem machismo, sem racismo, sem LGBTQIfobia, dentre outros aspectos, a melhor transformação da escola não será dada pelas tecnologias produzidas, sustentadas e controladas pelo capital e pelas grandes corporações.
Há, na verdade, que se reinventar a escola em direção á sua substância democrática e republicana, o que significa, também, uma retomada dos seus fundamentos laicos, antirracistas, antihomofóbicos e antimachistas. Nessa direção, se impõe radicalizar a articulação da escola com os coletivos democráticos e representativos que atuam no território e, ao mesmo tempo, se impõe hackear as tecnologias, colocando-as a serviço de um projeto educativo libertário e popular.
Imagem de destaque: Secretaria de Educação de Curitiba