Reflexões sobre práticas educativas Afroindígenas na EJA

Natalino Neves da Silva¹

Práticas educativas de Educação de Jovens e Adultos (EJA) são diversas e plurais. Elas se realizam em distintos espaços socioculturais, territoriais e políticos. Nesse sentido, refletir acerca de experiências afroindígenas e sua relação com a EJA significa considerar que o contexto social brasileiro é marcado por desigualdades sociorraciais históricas e, ao mesmo tempo, reconhecer outras e novas práticas desenvolvidas em territórios de resistências, conforme propõe a Lei nº 10.639/03 (11.645/08 – atualização) e de suas Diretrizes, no que concerne ao ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena.

O nosso entendimento de território não está subordinado a qualquer tipo de organização de Estado e tampouco pela sua delimitação fixa de fronteiras. A sua compreensão se relaciona com o sentimento de pertencimento sociocomunitário dos povos a partir de seus valores éticos, estéticos, políticos, culturais, religiosos, entre outros.

Desse modo, a noção de território se baseia em relações de poder tanto de dominação quanto de apropriação. Nessa perspectiva, Haesbaert considera que o território “desdobra-se ao longo de um continuum que vai da dominação político-econômica mais ‘concreta’ e ‘funcional’ à apropriação mais subjetiva e/ou ‘cultural-simbólica’” (HAESBAERT, 2004, p. 95-96).

Portanto, a centralidade das experiências educativas de EJA realizadas em territórios quilombolas e indígenas consiste na capacidade de articular os saberes comunitários locais com as distintas formas de pertencimento às territorialidades afroameríndias latino-americanas. 

A esse respeito, o texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica, no quarto parágrafo do artigo 23, que trata dessa modalidade de ensino, considera que tais práticas devem possibilitar “aos jovens, adultos e idosos quilombolas atuar nas atividades socioeconômicas e culturais de suas comunidades com vistas ao fortalecimento do protagonismo quilombola e da sustentabilidade de seus territórios” (BRASIL, 2012, p.11). 

De igual modo, o artigo 12 das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica, por meio do § 1º, diz que a oferta da EJA, nesse contexto, “deve atender às realidades socioculturais e interesses das comunidades indígenas, vinculando-se aos seus projetos de presente e futuro, sendo necessária a contextualização da sua proposta pedagógica de acordo com as questões socioculturais da comunidade” (BRASIL, 2012, p.11).

Logo, o processo educativo da EJA realizado nesses espaços só tem sentido se ele for, de fato, capaz de dialogar com as realidades socioculturais vividas por esses sujeitos e essas sujeitas nesses territórios. Por conseguinte, determinados rótulos, geralmente verificados no contexto da instituição escolar, como: “defasado”, “repetente”, “analfabeto”, entre outros, não fazem o menor sentido se utilizados nessa situação de aprendizagem, pois, afinal de contas, as práticas educativas ali desenvolvidas estão intrinsecamente vinculadas à promoção do bem viver da vida comunitária.

Nessa direção, a realização dessas experiências, além de ocasionarem novos repertórios socioculturais e outros referenciais emancipatórios de Educação Popular, se constituem como matrizes de conhecimento da EJA Popular Negra. Contudo, infelizmente, nem sempre temos a oportunidade de tomar conhecimento das práticas educativas realizadas nesses territórios de resistências. Além disso, as trocas dessas experiências entre as próprias comunidades quilombolas e indígenas são bastante incipientes ainda hoje.

Daí a necessidade de refletirmos acerca de experiências afroindígenas relacionadas a essa modalidade de ensino, uma vez que o seu intercâmbio é capaz de fortalecer a relação dialógica entre essas comunidades em seus territórios. E mais, a construção de territórios-rede estabelecidos entre esses sujeitos e essas sujeitas pode beneficiar a luta pelo direito humano e social à EJA destinada a jovens, adultos(as) e idosos(as) quilombolas e indígenas.

 

1 –  Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.

 

Para saber mais
BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola na Educação Básica. Acesse aqui.

BRASIL. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica. Acesse aqui.

HAESBAERT, R. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multi-territorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2004.


Imagem de destaque: Estado da Bahia

3 comentários em “Reflexões sobre práticas educativas Afroindígenas na EJA”

  1. CRISTINA RUBIA ROCHA MOTA

    A educação é um direito fundamental que ajuda não só no desenvolvimento de um país, mas também de cada indivíduo. Sua importância vai além do aumento da renda individual ou das chances de se obter um emprego. Por meio da Educação, garantimos nosso desenvolvimento social, econômico e cultural.
    Desse modo, a educação é compreendida como um direito em si mesmo e um meio indispensável para o acesso a outros direitos. A educação ganha, portanto, mais importância quando direcionada ao pleno desenvolvimento humano e às suas potencialidades, valorizando o respeito aos grupos socialmente excluídos.

  2. Marivânia Lopes de Souza

    As práticas educativas afroindígenas na EJA são fundamentais para a valorização da diversidade cultural e para a construção de uma educação mais inclusiva e representativa. Ao integrar saberes e experiências das comunidades afro-brasileiras e indígenas, conseguimos não apenas enriquecer o currículo escolar, mas também promover um ambiente de respeito e reconhecimento das identidades dos alunos.

    Essas práticas nos convidam a repensar a forma como ensinamos e aprendemos, reconhecendo que a educação deve ser um espaço onde todos os saberes são respeitados. Através de metodologias que valorizam as narrativas, tradições e modos de vida dessas comunidades, conseguimos criar conexões significativas com os alunos, facilitando o aprendizado e a construção de uma consciência crítica em relação à sua própria identidade.

    Além disso, ao abordar temas como a luta por direitos, resistência cultural e a importância da ancestralidade, proporcionamos aos alunos da EJA uma oportunidade de se reconhecerem como agentes ativos na sociedade. Isso é especialmente importante em um contexto onde muitos deles enfrentam desafios relacionados à discriminação e exclusão social.

    Portanto, ao refletirmos sobre as práticas educativas afroindígenas na EJA, devemos sempre considerar a importância de construir um ambiente educacional que não apenas ensine, mas também celebre a pluralidade cultural do nosso país. Essa é uma forma poderosa de promover a equidade na educação e garantir que todos os alunos se sintam valorizados e representados.

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