Recalculando outra rota

Muriel Emídio Pessoa do Amaral

A voz do dispositivo digital informa que a rota será recalculada quando outros caminhos são seguidos. A outra proposta de trajeto é apenas diferente daquela pensada inicialmente pela prática do algoritmo. Repensar outra rota abre espaço para perceber outros caminhos, outras experiências, promover outros sentidos e até mesmo contemplar outros espaços e hábitos. Essa outra proposta de repensar práticas e discursos pode ser compreendida como descolonização, um movimento que promove a visibilidade e reconhecimentos de outros caminhos que, não raro, foram silenciados ou não valorizados por uma questão de poder.

A ideia de descolonização partiu de pensadores e pensadoras como proposta política para reconhecer a produção de conhecimento e saberes para além dos modelos eurocêntricos, brancos e burgueses. Assim, o pensamento decolonial passou a integrar reflexões sobre a diversidade do feminismo, com as considerações de bell hooks e Lélia Gonzalez, e posicionamentos de Walter Mignolo e Santiago Costa-Gómez como modo de repensar as estruturas para a estruturação de conhecimento acerca das ciências sociais.

Ao recalcular outra rota para contemplar outras experiências, é possível realizar aberturas para que sejam repensados valores e até mesmo entendimentos sobre práticas e discursos que são produzidos e reproduzidos de forma automática. Pelo caminho da decolonização é importante a reflexão sobre os sentidos que são reverberados em esferas da vida pública e política.

Repensar a educação, por exemplo, é perceber que algumas formas de promover o ensino e aprendizagem não devem ser circunscritas a posicionamentos técnicos de apenas de transferência de conhecimento, mas enquanto um processo de engrandecimento moral de crianças, jovens ou adultos. Para além disso, decolonizar a educação é reconhecer saberes e conhecimentos que podem ser apresentados em diálogos de forma horizontal entre alunos e professores.

Por outro lado, a decolonização também pode ser reconhecida em outras esferas como as práticas da comunicação que envolvem os universos do jornalismo e da publicidade. Por que não contemplar mulheres negras, travestis e pessoas com deficiências como fontes de entrevista sobre diversos assuntos? Oferecer visibilidade às pessoas desses e outros grupos em pautas fora dos esquadros previamente estabelecidos pelo jornalismo é uma maneira de oferecer a pluralidade de discursos e experiências. Da mesma forma que a decolonização nas práticas da publicidade poderia contemplar corpos e identidades que fossem para além da branquitude e das representações convencionais do hábito publicitário e estilhaçar os discursos cristalizados. O que impede que uma mulher trans seja apresentada em uma campanha sobre o lançamento de um novo produto ou serviço no mercado? Imagina se a propaganda de margarina também representasse famílias negras, de imigrantes ou casais homoafetivos?

Há uma infinidade de percepções que poderia ser tratada que deveria ser decolonizada, de ações mais simples do cotidiano aos movimentos mais complexos como as formas de sociabilidade e até mesmo de construção de afetos. Voltar os olhares para a decolonização é uma ação política porque preza pela diversidade e pelo alargamento da sensibilidade. Decolonizar é recalcular a rota de nós mesmos, dos nossos afetos e dos caminhos da política.

 

Sobre o autor
Professor colaborador do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Mestrado e doutorado em comunicação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Bauru), doutorado sanduíche em Estudos Culturais pela Universidade de Aveiro, Portugal.


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