Quase autobiografia: um convite à Dor e glória, de Pedro Almodóvar

Alexandra Lima da Silva

Qual é o primeiro desejo em Dor e glória? A arte? O corpo belo e jovem de Frederico? O amante Eduardo? Essas foram as perguntas que me fiz enquanto assistia ao vigésimo primeiro filme do aclamado cineasta espanhol Pedro Almodóvar. 

De forma corajosa e intensa, seria o protagonista, Salvador Mallo, o alter-ego de Almodóvar? O que é autobiográfico e o que é ficção em Dor e glória? 

Os filmes de Almodóvar não são percursos óbvios, é preciso chegar até o final para compreender o sinuoso movimento narrativo e autoral do cineasta.

O detalhe na cor dos olhos da mãe de Salvador é a única pista de que estamos diante de um filme dentro do filme. 

Minha leitura do filme é que ele gira em torno do processo de concepção e de nascimento. E todo nascimento começa no desejo. E de como é doloroso parir um texto, um filme, um quadro, um filho. Há dor na criação. Há dor no desejo não realizado. Há dor na criação, pois, nas palavras do próprio protagonista, o difícil para um ator não é chorar, mas sim, segurar as lágrimas. O desejo do menino Salvador por Frederico é o mesmo que o impulsiona a ser o professor deste último. O doce menino Salvador se torna rígido e rigoroso quando ensina as letras a Frederico. 

Ainda que o filme explore o desabrochar da sexualidade de um menino, e os conflitos do homem adulto, é a relação com a mãe a chave mestra do filme. A meu ver, é a mãe, a primeira fonte de desejo e admiração do cineasta. Em todas as obras, o filho tenta honrar a dor da mãe. A criação, em Almodóvar, é também dar a luz.

 

Para saber mais: 

ALMODÓVAR, Pedro. Dor e Glória. 2019, 1h e 53 min.


Imagem de destaque: Universal Pictures

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