Walesson Gomes da Silva*
Douglas Tomácio**
Do invisível ao visível. Daquilo que aprendemos a não ouvir, à busca dos ecos, dos significados, dos dizeres daqueles que, sujeitos, têm sido “assujeitados”. Como quem garimpa, em exercício de tentativa de ruptura, aqui falamos de modo acompanhado, tentando expressar o que aprendemos/vivemos ao lado daqueles que existem sob constantes práticas de apagamento. É dizer de cárcere, das vidas que na sub-vida insistem, resistem e ensinam.
E assim, neste exercício de aprendizes, o presente texto procura assinalar o protagonismo daquelas pessoas invisibilizadas: apenados em um presídio na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em meados de 2012. O desafio: mostrar os usos, significados e sentidos que atribuíam ao ato de educar colegas de cela.
Tudo aconteceu em uma unidade prisional da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados – APAC. Para melhor compreensão, acreditamos ser necessário um pouco dela dizer.
Trata-se de entidade civil de direito privado, com personalidade jurídica própria, que se dedica ao trabalho de reeducação e reintegração social dos condenados com penas de privação de liberdade. Essa proposta desenvolve um método próprio de valorização humana, vinculada à evangelização da população atendida. Na sua proposição, de maneira ampla, busca a proteção da sociedade, a promoção da Justiça e o socorro às vítimas.
Na contramão do sistema prisional clássico (punitivo, estigmatizante, consumidor de vultosos recursos e produtor de alto índice de reincidência), o modelo APAC opera como instituição de auxílio aos Poderes Executivo e Judiciário na execução penal, tendo seu estatuto resguardado pelo Código Civil e pela Lei de Execução Penal (LEP).
Meados de 2012, na unidade prisional, desenvolvia-se um empreendimento educativo pela ação de voluntários, numa perspectiva da educação social que pressupunha a participação comunitária nas atividades, as quais eram denominadas laborterapias.
E é no embalo dessas ações educativas que desponta o protagonismo de dois apenados. Num papel ativo, esses dois se destacam como atores sociais na defrontação de problemas de analfabetismo dentro do presídio.
À época, o jovem de 27 anos, com ensino médio incompleto, e um senhor de 56 anos, com o ensino fundamental incompleto, se organizaram para alfabetizar os colegas de cela, e, para tal feito, se valeram de técnicas semelhantes àquelas de Freire ao ensinar. Nas ações, o fazer assertivo: o cotidiano carcerário como motor de aprendizagens.
Havia ali toda uma cultura, todo um arcabouço que aos apenados significava e que por eles era significado. Utilizar-se disso como potência seria a possibilidade de acesso ao mundo letrado, alfabetizado. Seria uma possibilidade de conhecer o produzido historicamente pela humanidade e, na relação dialógica, tecer críticas, reflexões, perceber a leitura da palavra que somente se daria pela leitura de mundo. E, ainda que não claramente subvencionados pela teoria que nos parece às vezes habitual, ali, lançando mão de todos esses pressupostos, estavam esses dois sujeitos tecendo um ensinar-aprender mútuo.
No mundo cárcere, havia tantos mundos outros, eram cotidianos (em relação dialógica) entrecruzados e que assinavam as histórias. Sob esses traçados e corporeidade tão suas, os protagonistas, mestres aprendentes, faziam uso das palavras do cotidiano carcerário. Uma a uma, investigada, analisada, vista como que saboreada, produzia significados e sentidos na subjetividade de seus colegas educandos. E aqueles colegas primeiros foram se tornando colegas segundos, terceiros… avolumava-se. E, sim, deu ecos.
Essa ação de autoria e escolha pedagógica dos dois mestres, protagonistas docentes e sujeitos do/no percurso de educação social, ecoou em tamanha relevância que o processo de escolarização mobilizou novos atores; desta vez, atores governamentais.
Frente à força do processo ali vivenciado, viabilizaram uma unidade escolar dentro do presídio, ofertando Educação Básica, com a modalidade da EJA, que abarcava da alfabetização ao ensino médio.
Freire (1979), em Pedagogia do Oprimido, destaca a relevância do protagonismo, apontando para uma mobilização que gera vínculos. Estes, por sua vez, são fortalecidos quando do compartilhamento de responsabilidades, em que todos se sentem realmente envolvidos no processo e, por isso, buscam soluções conjuntas, compreendendo a participação de cada um como uma parte fundamental do todo. Um todo cheio de tantos que, unidos, tecem e insistem e ecoam seus protagonismos…
Por falar em ecos, e todos que tecem de modo protagonista, hoje, as ações desse protagonismo continuam ecoando por lá e a unidade prisional oferta também o ensino no âmbito da graduação, na modalidade Educação a distância. E, ecoando por lá, ecoam por aqui, daqui e, esperamos, em nós. Como dissemos, é tentativa de dizer conjunto, do ver aquilo que acostumamos a apagar.
* Pós-Doutor, Pedagogo, Professor do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino – FaE/UEMG, Professor colaborador do PROMESTRE/FaE/UFMG – Linha de Educação de Jovens e Adultos
** Historiador, Pedagogo. Professor do Departamento de Educação e Ciências Humanas da Universidade do Estado de Minas Gerais – DECH/UEMG-Ibirité. Professor do Instituto DH – Pesquisa, Promoção e Intervenção em Direitos Humanos e Cidadania.
Imagem de destaque: SJDHDS Bahia – Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac) de Itaúna / MG
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