Tiago Ribeiro Santos*
A ideia de que as relações entre professores e alunos se estabelecem dentro de certos limites de distância ou de proximidade é bastante antiga. Na idade-média, por exemplo, escreve Léo Moulin, era comum que “os contatos dos alunos com o mestre, que os chamava de seus ‘familiares’ ou ‘da família’ porque alguns habitavam na mesma casa do professor, fossem íntimos e diretos. Viviam sob o mesmo teto, iam juntos aos ofícios ou à taberna”. A invenção da escola moderna, por sua vez, supôs uma separação entre o professor e esses ambientes aleatórios, conferindo um lugar mais preciso às relações pedagógicas. A escola como um lugar oficial de encontros entre professores e alunos, condicionou, consequentemente, também novas formas de coerções coletivas, tais como as da corporação de mestres que podiam julgar in loco o ensino que estava sendo dado pelo professor, fazendo avaliações, reprimendas etc. – isso que, a meu ver, o livro de Émile Durkheim, A evolução pedagógica, indica tão bem. A história da Educação, nesta perspectiva, poderia ser entendida também como uma longa história das separações, prevendo a existência de uma linha demarcatória entre os professores e seus alunos.
A popularização do Facebook oferece, justamente, uma forma para reinterrogar essa história, posto que, nesse espaço, os professores podem ser vistos por seus alunos em atividades de lazer, festas, às vezes, consumindo bebidas alcoólicas, em suma, de volta a “casa” de onde eles haviam sido separados. A imagem de professor no Facebook, logo, se complexifica porque ela se encontra menos protegida por certas “muradas” que a construíram até então; uma imagem não mais alheia às contingências da vida cotidiana, aos vícios e virtudes comuns a todos os seres humanos.
A presença do Facebook em uma relação pedagógica não parece se limitar, entretanto, ao sinal de um declínio da imagem de professor (já que, vistos bem de perto, todos são e sempre foram humanos) mas, antes, da vertiginosa exposição de que existem professores de todas as ordens, que podem optar por manter relações de distância ou de proximidade (também na internet), por força de diferentes razões pessoais ou institucionais.
A questão relativa a se professores podem, ou devem, aceitar alunos em suas páginas pessoais de Facebook permanece polêmica e dificilmente encontrará consenso. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Estado do Missouri, em 2011, criou uma lei proibindo professores de interagir com alunos através de quaisquer dispositivos técnicos que não fossem publicamente controlados (trocas de mensagens privadas via SMS ou Facebook, por exemplo). Essa lei, possivelmente tida como nada democrática por aqueles que sempre contaram com relações sadias na internet com seus alunos, foi mais tarde revista, cabendo hoje ao dever das escolas americanas a organização de políticas internas sobre interações tecnologicamente mediadas entre professores e estudantes.
No Brasil, onde ainda não são claros os princípios políticos ou institucionais referentes ao uso de redes sociais on-line, sobretudo quando se trata de Escolas Públicas, são os próprios indivíduos, professores, alunos, diretores, etc., que inventam e negociam suas próprias regras de uso do Facebook. Essa condição, por sua vez, abre margem para uma verdadeira aventura na qual os professores podem lançar mão de diversos recursos para gestar a distância e a proximidade frente a seu público de alunos. A realidade escolar, aí, talvez nunca tenha sido tão fértil para análises de situações do tipo dramáticas ainda que o nome de ErvingGoffman (1922-1982) permaneça pouquíssimo citado nos estudos de Sociologia da Educação.
A gestão da imagem de professor no Facebook, por exemplo, do ponto de vista goffmaniano, pode ser uma questão de compromisso quando os professores decidem tanto interagir em horários extraclasse com seus alunos, quanto registrar um perfil on-line exclusivamente dedicado à escola, fazendo da internet uma extensão de seus domínios de ação pedagógica. Essa relação de proximidade pode contar, porém, com limites estabelecidos pelos próprios professores que, através de uma espécie de policiamento, tornam-se vigilantes às brincadeiras, comentários ou “besteiróizinhos” que por ventura publicariam no Facebook. Estes se apresentam, assim, compromissados com uma manutenção constante de suas imagens em um espaço onde circulam conteúdos heterogêneos e às vezes julgados como não-escolares; conteúdos que “pegariam mal” para um professor. Esta mesma manutenção pode ser, aliás, um tanto cansativa de modo que nada impede que eles tenham de “desconversar” sempre que perguntados pelos seus alunos se usam o Facebook; ou de se servirem de conhecimentos técnicos (e sofisticados) do próprio mundo digital para que seus alunos não acessem as postagens que estes mesmos professores fazem.
O drama, aqui, seria sempre com relação à gestão da distância e da proximidade de um limite moral mais ou menos administrável do ponto de vista da relação escolar. Essa atenção especial que os indivíduos dão às suas imagens de professor, todavia, representa apenas uma das modalidades de experiência decorrentes das relações pedagógicas.
A realidade escolar é, pois, muito mais heterogênea, de modo que podem existir professores também do tipo “descolados” que controlam de maneira menos permanente suas imagens no Facebook. Estas se individualizam e se diferenciam na medida em queos professores se mostram dispostos a interagir não apenas com a Escola nas redes-sociais, mas, também, com seus amigos, família, etc. Esses outros círculos sociais é que podem compor a imagem de professores cujas particularidades identitárias entram em jogo no cotidiano escolar. O crédito de suas imagens, logo, pode requerer reivindicações que assegurem o reconhecimento de suas individualidades: seria o caso de professores que, por vezes, negociam com o público escolar, dizendo que o Facebook não é um espaço de trabalho e que, portanto, suas publicações não deveriam interferir nas suas imagens de professor. Essas negociações, às vezes, devem revelar certos esgotamentos da parte de professores que se deparam com um estado de verdadeira inviabilidade da relação escolar na internet. Este seria o caso de uma professora vista supostamente em estado ébrio em uma foto, sentindo-se mais tarde “obrigada” a excluir todos os seus alunos de sua página pessoal.
Essas situações correspondem, enfim, ao efeito singular do Facebookque consiste em revelar professores implicados em círculos sociais não necessariamente escolares, trazendo à tona a existência de um indivíduo comumhabitando na pele de professor. O professor no Facebook, logo, tende a ser também um indivíduo em busca de uma verdadeira concessão: de uma distância, dada pela escola e pela sociedade, para que ele possa usufruir de sua própria liberdade. O desafio contemporâneo, do ponto de vista da imagem de professor na internet (e na sociedade em geral), parece-me ser este de se reconhecer, educacional e publicamente, uma representação menos sagrada e, portanto, deslocada de professor: de professores comuns que mantêm formas de sociabilidades menos amparadas em valores tradicionais – e onde o fato de que eles “curtem besteiróizinhos” possa soar de modo um tanto incômodo. Essas sociabilidades talvez possam atrair o olhar das pesquisas em Educação para aspectos menos institucionais do professor, mas que, nem por isso, deixam de ser menos determinantes em sua constituição moral.
*Tiago Ribeiro Santos é Doutor em Educação (UFSC), pela linha de pesquisa Sociologia e História da Educação, com a tese A perda da auréola: deslocamentos da imagem social e sociológica de professor no Facebook, sob a orientação da professora Ione Ribeiro Valle e coorientação da professora Maria das Dores Daros e professor-visitante na Universidade de Blumenau (FURB), vinculado ao Departamento de Ciências da Educação, Artes e Letras e ao Programa de Pós-graduação em Educação.
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