Práticas em Centros de Atenção Psicossocial para usuários de álcool e outras drogas: compreensões e aprendizados de uma pesquisa

Ana Regina Machado*
Celina Maria Modena**
Zélia Maria Profeta da Luz**

Os Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas (Caps AD) são serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), criados em 2002, destinados às pessoas que fazem uso prejudicial de álcool e outras drogas, que devem se orientar pela atenção psicossocial e pela redução de danos na produção do cuidado e da cidadania, em práticas territoriais, sem exigir a interrupção do consumo de drogas como condição ou meta. Este modo de atenção tem exigido novos saberes e fazeres dos trabalhadores de saúde, que vêm sendo construídos no cotidiano dos serviços.

Entre os anos de 2016 e 2019, realizamos uma pesquisa sobre a atenção produzida em Caps AD.

Neste trabalho, apresentaremos a pesquisa realizada, destacando seus aprendizados para os fazeres dos Caps AD, ou seja, aquilo que a pesquisa nos ensinou sobre as práticas de atenção às pessoas que fazem uso prejudicial de drogas. Compreendemos que tais aprendizados podem subsidiar a produção de novos saberes, bem como contribuir para os fazeres de outros serviços.

A pesquisa

A pesquisa, de abordagem qualitativa, foi realizada em três Caps AD do município de Belo Horizonte/ MG e envolveu a realização de três entrevistas com gerentes, nove grupos focais – sendo três com usuários, três com familiares e três com trabalhadores, além de quarenta horas de observação participante em cada um dos serviços.

Pretendíamos na pesquisa, analisar a coerência das práticas dos Caps AD com as proposições das políticas do Ministério da Saúde (MS) e com as necessidades de atenção das pessoas que usam drogas.

Os resultados permitiram compreender que os Caps AD pesquisados realizam, de maneira predominante, práticas coerentes com o modo de atenção proposto pelo MS e com as necessidades, demandas e expectativas das pessoas que usam drogas. Não privilegiam a produção de abstinência e estão comprometidos com a ampliação das possibilidades de vidas das pessoas atendidas.

Os aprendizados da pesquisa

A pesquisa produziu aprendizados sobre a atenção realizados em Caps AD. Destacamos, entre eles:

  1. A importância de considerar o consumo de drogas, os contextos sociais adversos e os sofrimentos a eles associados na compreensão das necessidades de atenção das pessoas que se dirigem aos serviços de saúde.
  2. A produção cotidiana de reflexões sobre o que os usuários buscam nos Caps AD, sobre as práticas que estes serviços ofertam e sobre as contribuições que produzem contribui para evitar abordagens centradas nos trabalhadores e em seus saberes, favorece o acolhimento dos usuários em suas alteridades e reafirma a dimensão ética, técnica e política da atenção.
  3. A produção teórica sobre o Cuidado em Saúde – seja na análise das necessidades, demandas e expectativas das pessoas que usam drogas, seja na análise das práticas de atenção ofertadas – contribui para a oferta de uma atenção comprometida com a produção de saúde e de vida.  O Cuidado envolve o acolhimento do outro em suas diferenças, a compreensão de seus processos de sofrimento e adoecimento, a consideração de suas condições concretas de existência e de suas vulnerabilidades, bem como a produção de diálogos, de vínculos, de ações de saúde e de projetos que ampliem as possibilidades de vida, em suas dimensões quantitativa e qualitativa.
  4. A importância do Caps AD se constituir como espaço distinto de outros frequentados pelos usuários de drogas para se viabilizar como espaço de cuidado. O acolhimento e o reconhecimento do outro em sua condição humana, singular e cidadã, sustentados de maneira coletiva pelos trabalhadores, podem favorecer a promoção dessa distinção que, por sua vez, pode favorecer a vinculação dos usuários aos Caps AD e seu reconhecimento como espaço de cuidado e terapêutico.
  5. A importância de considerar a dimensão temporal, sobretudo a introdução da dimensão de futuro, nas práticas dos Caps AD. Os usuários de drogas, com frequência, estão imersos na experiência presente de consumo de drogas. Assegurar a vida dos usuários por horas, dias ou meses ou construir “pequenos futuros” podem se constituir como etapas do cuidado nos Caps AD.
  6. A substituição da “produção da abstinência” pela “ampliação das possibilidades de vida” como analisador das práticas dos Caps AD e de suas contribuições às pessoas que fazem uso de drogas. Tal substituição expressa o deslocamento de concepções moralistas para concepções comprometidas com a produção de saúde e de vida nas práticas de atenção.

A partir do reconhecimento de dimensão pedagógica da pesquisa, compartilhamos compreensões e aprendizados sobre as práticas em Caps AD que podem inspirar outros serviços e redes de atenção do SUS no desafio de produzir saberes e fazeres comprometidos com o cuidado e com a cidadania de pessoas usuárias de drogas.

Referência

MACHADO, Ana Regina. Práticas de saúde às pessoas que usam drogas: há novidades nos Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas? Tese (doutorado). Instituto René Rachou. Fundação Oswaldo Cruz. Belo Horizonte, 2019.

*Doutora em Saúde Coletiva pela Fiocruz Minas. Analista de educação e pesquisa em saúde da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais.

** Pesquisadoras da Fiocruz Minas e orientadoras da pesquisa no Programa de Pós Graduação em Saúde Coletiva da Fiocruz Minas


Imagem em destaque: Hannah Xu / Unsplash

 

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