Pós-modernidade e educação para a cidadania (Parte II)

Antonio Carlos Will Ludwig

Segundo Castells o atual lapso  da civilização se caracteriza pelo fato de que o processamento e a transferência da informação são as fontes básicas da produtividade e do poder. Nos dias que transcorrem, o conhecimento e todas as ações nele fundamentadas se apresentam como os elementos destacados de qualquer atividade econômica. Com efeito, ele emerge no momento atual como o fator mais importante para a produção e a geração da riqueza, da prosperidade e do bem-estar de muitas pessoas. A denominada sociedade da informação e do conhecimento revela, portanto, sua dimensão essencial, que é da transformação social, política, cultural e econômica contínua e crescentemente acelerada, haja vista a marcante interconexão entre as diversas regiões do mundo. 

Outro tema também muito relevante abordado por Lyotard diz respeito às metanarrativas. Ele menciona que os metadiscursos produzidos no período moderno de nossa história, tais como “o desenvolvimento da riqueza” e “a emancipação do sujeito racional”, constituem atos de legitimação do saber, os quais, nesta época pós-moderna, tornam-se desacreditados. Sem dúvida isto afeta em cheio o marxismo por ele indicar a possibilidade de superação da sociedade capitalista rumo ao socialismo. Pensamos que a crítica sobre a metanarrativa da emancipação do sujeito racional, feita pelos arautos da pós-modernidade seja a mais importante das ocorrências até agora mencionadas, pois a razão humana foi a grande responsável pelo desenvolvimento da sociedade durante séculos, tanto em seus aspectos positivos quanto negativos. Com efeito, os defensores da concepção pós-moderna asseveram que se faz necessário abandonar o projeto do iluminismo de busca da emancipação humana através do emprego da racionalidade, uma vez que o desejo de dominar a natureza a ele inerente resultou no domínio dos seres humanos. A previsibilidade de uma história humana universal revelou-se ilusória porque não levou em conta o desenrolar dos acontecimentos que é carregado de incertezas e indeterminações. 

Mencione-se ainda o avanço da globalização que está produzindo dois efeitos notórios. Um deles diz respeito à contenção do funcionamento dos Estados Nacionais que tende a esmorecer significativamente a garantia de concretização dos direitos de cidadania. O   outro se  refere   ao   fenômeno   do   multiculturalismo   que  se  encontra manifestando em todas as regiões do mundo ao lado de uma cultura dominante. Este acontecimento pode abalar a identidade cultural de uma nação por meio do hibridismo das culturas singulares bem como gerar um movimento de resistência a uma possível pretensão de homogeneidade cultural.

Frente a este nebuloso e movediço cenário  cabe  questionar a respeito do tipo de educação e de educando que lhe é consonante. Uma resposta coerente foi apresentada por Pourtois e Desmet. Segundo eles o projeto educacional pós-moderno assenta-se na concepção de  emergência do sujeito a qual requer que o indivíduo  seja considerado como  ator e autor e como alguém que se empenha em  garantir a  própria  autodeterminação e emancipação. De acordo com ambos o reconhecimento deste sujeito indica claramente uma passagem da existência de  um em si  caracterizado pela integração social e pela participação na obra coletiva ao   eu,  isto é, ao ator de uma vida pessoal, a um sujeito individual  que não se pauta pelas regras da sociedade, alguém disposto e capaz de lutar contra a ordem estabelecida e os determinismos sociais. É um sujeito condenado a viver na incerteza, em angústia, porém buscando encontrar-se a si mesmo, estabelecendo seu próprio destino e gerenciando as incertezas e as imprevisibilidades. Foucault reforça o entendimento dessa emergência por meio do comportamento denominado   cuidado de si   como condição imprescindível para a realização de ações no âmbito da sociedade. 

A formação de um sujeito assim caracterizado exige um ambiente democrático na sociedade que possibilite a ele se manifestar tal como deseje o que inclui o direito de reivindicar direitos. O tipo de democracia requerido é aquele proposto por Laclau e Mouffe, os quais se sintonizam com a pós-modernidade.  Ambos defendem a proposta da  democracia radicalizada  que é entendida como aquela que tem por objetivo principal a luta contra todas as formas de subordinação inclusive aquela resultante das relações capitalistas de produção, o mesmo propósito do marxismo. Ela se baseia na generalização de uma lógica de equivalência e igualitarismo que não se coaduna com a concentração do poder. Embora admitam que todo projeto de democracia radical possui uma dimensão socialista tal dimensão se apresenta apenas como um dos componentes deste projeto, não sendo, portanto, nem o principal nem o único. De modo contrário à versão marxista asseveram que as contendas que acontecem na vida em sociedade com o intento de transformá-la, não devem ser vistas pelo paradigma do enfrentamento entre classes sociais e sim pelo modelo da pluralidade de agentes ou o conjunto de movimentos sociais que se encontram voltados para causas ecológicas, feministas, políticas, etc. Esses movimentos emergem, permanecem por um tempo e tendem ao desaparecimento quando perdem força ou alcançam a finalidade pretendida.

Em função dessas colocações é possível inferir  que a conduta do sujeito pós-moderno se mostra indicadora de que ele pode ser considerado como um  cidadão ativo. Entretanto, pelo que foi visto, sua atuação, primordialmente, tem a ver com suas aspirações pessoais, ou seja, seu dinamismo na esfera pública que se  circunscreve aos movimentos sociais possivelmente tende a acontecer apenas para colher benefícios individuais apesar desses movimentos se fortalecerem com sua presença e empenho e o objetivo conquistado favorecer todo o conjunto.

Parece que tal ocorrência contraria a noção de cidadania que foi construída durante séculos e que aponta a figura do cidadão com alguém que atua a favor da coletividade. Observe-se que na concepção liberal o cumprimento de direitos e deveres auxilia a governabilidade representativa que teoricamente age em função do bem comum. Na concepção comunitarista este favorecimento acontece por meio de ações individuais e coletivas na comunidade as  quais inclinam-se a beneficiar segmentos sociais específicos. Na versão marxista tais ações são norteadas pela ideia de construção de uma sociedade socialista isenta de desigualdades e injustiças. Apesar da validade dessas alegações qualquer adepto da pós-modernidade possui a capacidade necessária para expor o argumento de que as profundas alterações sociais consequentes do advento desta nova era foram capazes de produzir um novo tipo de cidadão. 

Este tipo de cidadão também requer uma formação apropriada. Em relação ao aspecto cognitivo ele necessita se familiarizar com os diversos tipos de necessidades que todo ser humano possui,  se tornar consciente de que é um indivíduo que pode exigir direitos além dos previstos, saber que sua auto realização  depende de sua  atuação no âmbito da sociedade a qual exige o conhecimento das diversas formas de ações conjuntas que se coadunam com seus interesses e aspirações. Na área afetiva precisa desenvolver as atitudes de iniciativa, perseverança, cooperação e exibir a disposição de continuar aprendendo por toda vida. No campo das habilidades deve burilar as capacidades de falar em público, redigir documentos reivindicatórios e organizar mobilizações coletivas. O constante envolvimento com movimentos sociais é a melhor maneira de realizar todo este aprendizado.

 

Leia a primeira parte do texto aqui.


Imagem de Destaque: Soman

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