Por uma educação de potências e possibilidades

Marcos Borges dos Santos Júnior

Buscando por uma educação que repense as potências e possibilidades na constituição existencial de “ser” na contemporaneidade, cada vez mais é admissível nos deparamos com um projeto (poderíamos dizer mundial?) de competitividade que delimita outras formas de conceber o mundo. Pode-se levantar a hipótese de uma circularidade competitiva que visa a introjeção de formas de agir e pensar, isto é, construir um caminho por toda uma vida que deseja a ascendência do “Eu” em detrimento do “Outro”. Se esquivando de uma ingenuidade equivocada sobre a “vida ser assim”, ou melhor dizendo, sobre a condição de naturalidade, trata-se de um constructo social promovido por diferentes segmentos do globo terrestre, que se beneficiam, cada um a seu modo, das adversidades vividas pelas diferentes populações.

As pulsões da competitividade, pelo menos no seu aspecto geopolítico que se expõem como “geográfica do capitalismo” são sinalizadas pelo Milton Santos (1926 – 2001).

Nos últimos cinco séculos de desenvolvimento e expansão geográfica do capitalismo, a concorrência se estabelece como regra. Agora, a competitividade toma o lugar da competição. A concorrência atual não é mais a velha concorrência, sobretudo porque chega eliminando toda forma de compaixão. A competitividade tem a guerra como norma. Há, a todo custo, que vencer o ouro, esmagando-o, para tomar seu lugar. Os últimos anos do século XX foram emblemáticos, porque neles se realizaram grandes concentrações, grandes fusões, tanto na órbita da produção como na das finanças e da informação. Esse movimento marca um ápice do sistema capitalista, mas é também indicador do seu paroxismo, já que a identidade dos atores, até então mais ou menos visível, agora finalmente aparece aos olhos de todos (SANTOS, 2021, p. 59 – 60).

Em meio a aglutinação das definições na contemporaneidade, competitividade ou “competição” tornam-se indistinguíveis. Agora não consiste apenas sobre a disputa dos melhores recursos, mas de transformar o “Outro” como antagônico, isto é, seres impossíveis de convivência na mesma espacialidade. Para tal ação frases como “Eliminar toda forma de compaixão”, “guerra como norma” ou ainda “vencer o outro a qualquer custo” se transformam em justificativas válidas a fim de expandir uma forma que lide (“esmague-o”) com outras existências. Não há abertura para questionamento da retroalimentação da formação “humana” ou constituição de “ser”, mas somente em formas de intensificar a competitividade.

Na direção da pluriversalidade para construirmos um debate educacional acerca das potências e possibilidades na constituição existencial de “ser” que se desvencilhe da competitividade ou “competição” creio ser necessário a princípio questionar os devidos determinismo projetados em nossas vidas, até mesmo aqueles concebidos antes do “nascimento biológico como a ciência conhece atualmente”.

 Se a competitividade auxilia na delimitação do “Outro”, temos também a projeção dos “Outros” na constituição do “Eu”. Um exemplo surge a respeito da generificação dos corpos, nos quais são tensionados antes mesmo do “nascimento” do “Eu”. Já se estipula um gênero, que estimula um traçado – paradigmas, ethos, arquétipos e/ou formas – acerca das potências e possibilidades que “Eu” surgirá ao longo da existência. Um estudo que provoque tais reflexões advém, por exemplo, de Oyěwùmí Oyèrónkẹ (2021), no qual explora esta generificação dos corpos da população africana (mais especificamente do povo Oyo-ioruba) pela “cosmovisão” eurocêntrica a fim de demarcar toda uma relação social autóctone.

Deste modo a educação que repense as potências e as possibilidades existenciais deve ser projetada para uma abertura do sensível. Sensível aqui deve ser entendido na mesma linha de raciocínio de Muniz Sodré (2016).

Somos de fato afetados o tempo todo por volumes, cores, imagens e sons, assim como por narrativas e aforismos. O sensível é esse rumor de fundo persistente que nos compele a alguma coisa sem que nele possamos separar real de imaginário, sem que possamos, portanto, recorrer a estruturas e leis para definir a unidade do mundo, porque aí o que predomina é a deriva continua de uma forma, melhor dito, de uma maneira (SODRÉ, 2016, p. 219).

O sensível viabiliza uma continuidade existencial que rompe barreiras espaço-temporais promovida por percepções além das oculares, similarmente propagada pela ancestralidade na afrodiáspora, mais especificamente da população negra brasileira. Tal levante sintetiza as múltiplas organizações sociais/culturais/politicas/filosóficas africanas e negras que surgiram ao longo de séculos no Brasil, seja pela criação do Quilombo dos Palmares (1597 – 1694) ou do Movimento Negro Unificado (1978 – presente). Abertura do sensível então se direciona para a diversidade existencial, numa percepção em que o contato (a partilha/ o comum) do “mundo vivido” transcende o “Eu” e “Outro” (SODRÉ, 2012).

Entendendo que a evocação da existência significa compromisso e cooperação, mas “principalmente a injunção de se assumir, por sensibilidade, o destino da experiência do mundo como abertura para outros mundos possíveis” (SODRÉ, 2012, p. 185), a educação tem o dever de instigar outras formas de perceber e compreender o mundo, a fim de alcançar a partilha do comum.

Para não me estender mais, competitividade ou generificação dos corpos são só mais uma das matrizes que regimentam o mundo a fim de hegemonizar/determinar a “vida”, contudo, as tensões produzidas para mudar tais lócus da sociedade brasileira, como na área educacional, são frutos do agir e pensar “humano”.

 

Para saber mais
OYĚWÙMÍ, Oyèrónkẹ. A invenção das mulheres: construindo um sentido africano para os discursos ocidentais de gênero. Tradução de Wanderson Flor do Nascimento. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2021.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 32ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2021.

SODRÉ, Muniz. As estratégias sensíveis: afeto, mídia e política. 2ª ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 2016.

_____. Reinventando a educação: diversidade, descolonização e redes. 2ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.


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