Por que Democracia?

Dalvit Greiner de Paula

O primeiro problema da Democracia – e, provavelmente, o único – é o demo. Ou seja, o povo. E o povo é o demo das elites, sob todos os aspectos, desde a Grécia que inventou a Democracia até a França que a reinventou. As coisas vão muito bem para as elites até o momento que o povo, o demo se apresenta para participar de forma efetiva, exigindo direitos e cobrando deveres. Quanto maior a diversidade de um povo, maior deve ser a Democracia que o rege. Só assim todos falam e se manifestam: nas ruas, nas urnas.

O segundo problema da Democracia – e, provavelmente, o mais crucial – é a verdade. A verdade, esse mito que nos rege, é um problema que os Iluministas tentaram resolver exigindo-a como um direito natural – portanto, que nasce com os humanos – com a expressão “liberdade de expressão”. Imaginavam que ao retirar o monopólio de fala da igreja e do rei a verdade viria à tona, cristalina como uma luz branca e radiante.

O terceiro problema da Democracia – e, também a sua solução – é a educação. Norberto Bobbio nos dizia que uma das promessas não cumpridas da Democracia era a educação. Os Iluministas desejavam que a luz do conhecimento atingisse a todos no mundo. Imaginavam que o sujeito educado seria a prefiguração do ser perfeito, do ser completo, simultaneamente público e privado. Capaz de agir com a razão, sem preconceitos nem superstições. Imaginavam um ser humano capaz de pescar, criar um móvel e filosofar. Capaz de estar em praça pública e debater os problemas da comunidade buscando uma solução.

Imagine só: um povo capaz de reconhecer a verdade e suficientemente educado para escolher os objetivos e os condutores desses objetivos. Isso pressupõe pessoas iguais perante a lei, respeitadas em sua diversidade numa sociedade com isonomia – que trata o diferente de maneira diferente até que se iguale, na prática, aos demais. Uma Democracia, um horror para qualquer elite, justamente porque carrega outros valores contrários à competição, ao egoísmo e à vaidade. São iguais, solidários: uma fraternidade.

E os utilitaristas, nascidos do Iluminismo, souberam e sabem muito bem manipular nossos desejos de liberdade, de igualdade e de fraternidade. Manipulam muito bem a Democracia para que ela sirva aos seus propósitos e não à humanidade. Em tempos de Paulo Freire, dizemos: manipulam a Democracia para satisfazer a globalização e não a mundialização. 

Os utilitaristas criaram o capitalismo e com ele transformam tudo em dinheiro. Basta observar à sua volta: o povo é extremamente criativo, mas, imediatamente, o capitalismo transforma essa criatividade em dinheiro. Lembra-se da calça jeans do hippies nos anos 1970? O que era parte de um repertório anticonsumo foi tornado em objeto de consumo. Mas, não rasgue a sua calça: só vale se for comprada, com etiqueta.

O capitalismo transforma sonhos em dinheiro. Dessa maneira, aqueles problemas colocados acima transformam-se em objetivos do Capital. O povo torna-se em capital que legitima as ações do capitalista: quanto mais votos, melhor. A educação mantida pelo Capital é somente técnica, tornando-se preconceituosa e supersticiosa impedindo o debate. O Capital educa para o consumo, não para a Liberdade. A religião do Capital é a liberdade: todos são livres para tudo e para qualquer coisa. Esse mito é conduzido por todos como algo sagrado e de forma definitiva. Vendem-nos o mito de que devemos ser inquestionavelmente livres, mesmo que não saibamos para quê nem para quem. 

Vendem-nos uma tecnologia em que todo mundo pode falar para todo mundo porque todo mundo é livre para pensar e se exprimir. Em tempos de whatsapp a coisa vem se tornando mais popular do que no tempo em que a liberdade de expressão era exercida com um banquinho em praça pública, juntando as pessoas em volta do falante. Hoje, a pessoa nem precisa sair de casa para espalhar, pelos mundos e olhos/ouvidos afora, aquilo que pensa ou aquilo que pensa que pensa. Como nos disse Umberto Eco: a internet é uma terra de idiotas que dizem falar a verdade.

Existe solução? Mais Democracia, mais Verdade, mais Liberdade. Qualquer solução que não passe pelo demo, pelo povo não será válida nem duradoura. A Verdade como valor é regra de ouro das relações humanas devendo ser perseguida sem cessar. E governar é uma relação humana. Numa Democracia, a Verdade é resultado de um debate livre de preconceitos e superstições. Não existe Liberdade sem um mínimo de Responsabilidade. Quem é, verdadeiramente, livre é responsável por alguém, direta ou indiretamente. E esse alguém é vida!

Só com Educação isso é possível.


Imagem destaque: European University Institute

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