Alessandra Frota Martinez de Schueler
Foi vivendo a vida, na maior parte em bancos escolares, que, aos poucos, as inquietações do presente me levaram a pensar sobre o tempo social e histórico vivido nas escolas. Uma experiência de vida na qual, é possível avaliar hoje, a escolarização foi visceralmente formadora, constitutiva. Nascida na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, no verão de 1972, em uma família de classe média baixa, cujo chefe era um amável enfermeiro, meu avô materno, frequentei as escolas públicas desde o jardim de infância. Por muito tempo filha e neta única, era na escola que encontrava espaço para conhecer outras crianças, aprender as primeiras letras, experimentar a vida para além da convivência familiar. Dela, não esqueço as professoras, que deixaram poucas, mas significativas, imagens dos tempos de infância – como é ainda claro o rosto da “tia” Marly, que me consolava do “trauma do primeiro dia” em que me vi “abandonada” pelo meu avô naquele Jardim de Allah, nos idos de março de 1976!
Especialmente, as escolas de primeiro grau (então conhecidas pelo senso comum como primário e ginásio), me trazem lembranças marcantes. Estas marcas são capazes de me fazer compreender os modos sutis por meio dos quais a cultura, as práticas e os rituais escolares operam, impregnando corpos e almas, constituindo subjetividades e identidades. Não esqueço alguns dos primeiros colegas; o uniforme de saia azul plissada, blusa branca com emblemas escolares e estaduais, meia branca e tênis preto (que eu detestava!). As salas de aula, as carteiras, o recreio no imenso pátio, o refeitório, os pratos de alumínio e as colheres (as crianças sempre comiam usando colheres, nunca garfos e facas), a merenda em conjunto, a cantina, onde compravam refrigerantes e guloseimas apenas aqueles que eram presenteados com cruzeiros pelos familiares. As provas, os trabalhos, os boletins com notas azuis e vermelhas, atestando para os pais o bom ou o mau desempenho. Nas festividades, como as juninas, recordo a confecção das roupas caipiras, as “maria-chiquinhas”, as tranças no cabelo e as pintinhas pretas no rosto, a dança de quadrilha, a pescaria e os quitutes das barracas.
O primeiro grau, atualmente parte do denominado Ensino Fundamental, concluí em Niterói, cidade para onde mudamos quando eu tinha 11 anos, no início da década de 1980. Naqueles anos, tempos ditos de “abertura democrática” e de “anistia”, ainda estavam presentes nas escolas práticas de uma educação estética da “cultura nacional” para o povo, com seus ritos patrióticos, festas, tradições nacionais “inventadas”, celebradas pela escola republicana, reatualizadas e apropriadas pelas práticas pedagógicas do período ditatorial (pós-1964). Ainda posso fechar os olhos e me (re)ver: à entrada da escola, ocupo meu lugar na fila, organizada pela professora, assisto ao hastear da bandeira e celebro o hino nacional, então cantado respeitosamente e com efusiva alegria por todos nós, alunos, professores, diretora, funcionários presentes… Tudo surge, se mistura, se recria, se confunde em minhas lembranças.
Não é sem emoção que reconstruo a memória de escolarização, numa trajetória que, entre idas e vindas, dúvidas e percalços, culminou com o ingresso, então pouco provável para uma menina oriunda das classes populares, no curso de História, na Universidade Federal Fluminense, após cursar o segundo grau no Liceu Nilo Peçanha, instituição centenária de Niterói. O curso de História, de 1990 a 1994, foi frequentado à noite, em meio a trabalhos diversos, bolsas de pesquisa e inúmeras prestações de serviço às quais me dedicava para me manter na Universidade. Mas, essa é já outra história, que deixo para registrar, quem sabe, em outro momento.
Por ora, para encerrar a escrita, ressalto a dimensão da memória como identidade e projeto. Como lembra Gilberto Velho, a memória não se refere apenas àquilo que é memorável, ao passado, às lembranças, esquecimentos e silêncios. A memória é também produção de identidades, plurais, móveis, sempre provisórias. A memória é projeto, horizonte de expectativa e metamorfose. É espaço de desejo, implosão das fronteiras entre os sentidos possíveis que conferimos ao passado, ao presente e ao futuro.
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