As políticas públicas para juventude são muito importantes à medida que esse grupo, faixa etária ou geração, recebe a exigência de ter protagonismo. A legislação sobre juventude representa processos sócio-históricos e que marcam a conquista de direitos individuais, sem esquecer os deveres com a vida coletiva. No entanto, alguns projetos e leis não são pensadas de maneira articulada e acabam por interferir uma na outra. Como na metáfora do “cobertor curto”, para cobrir os pés, destapa-se a cabeça e vice-versa.
As leis e programas podem ser construções calcadas em boas intenções, procurando atender a demandas da juventude ligadas à escolarização, saúde, trabalho, renda, lazer e diversão, apenas para citar algumas. Na ânsia por dar uma resposta, as políticas de juventude que deveriam ser convergentes podem se tornar incongruentes, isto é, com ações e objetivos que se sobrepõem ou se contradizem, impactando negativamente uma na outra.
Um exemplo, não muito distante, aconteceu em 2014, quando os programas educacional e esportivo realizaram no mesmo final de semana as provas do Exame Nacional do Ensino Médio e os Jogos Escolares Brasileiros. Os estudantes-atletas na época tiveram que escolher em qual evento participar, passando uma mensagem de que a formação escolar e a formação esportiva não fazem parte de uma dupla carreira, supondo uma necessária separação.
No atual momento, educação e trabalho entram em desajuste, pois, o Novo Ensino Médio que deve ampliar o tempo diário de permanência na escola, tornando-o integral, interfere na Lei da Aprendizagem (10.097/2000). No primeiro momento um tempo elevado de escola desajusta a concomitância com a jornada de trabalho ou, mesmo, como outra formação. No caso, do jovem aprendiz estudante de escola pública estadual, significa a redução de oportunidades de inserção, pois, sua jornada de quatro horas não estará mais adequada para empresas com expediente até às 18 horas. Isso porque no período matutino as aulas terminam mais tarde e no período vespertino começam mais cedo, impossibilitando o deslocamento, descanso, alimentação e a jornada laboral em horário comercial.
Outro ponto está relacionado à construção de itinerários formativos e às trilhas de aprendizagem que são orientadas pela escola do jovem, incompatibilizando os programas de capacitação profissional que seguem a Portaria 723/2012 para elaboração do conteúdo. Mesmo no eixo ou trilha profissionalização, os conteúdos das entidades qualificadores (Sistema S, Escolas Técnicas Profissionalizantes e Entidades Sem Fins Lucrativos) podem, não ser reconhecidos como válidos para a formação para o trabalho desenvolvida pela escola, pois, na Aprendizagem falamos da formação pelo trabalho.
Logo, o desajuste está no engessamento dos projetos educacionais, limitados às instituições escolares e suas trilhas de aprendizado. A Aprendizagem Profissional, ao adotar a formação pelo trabalho, possui carga horária e conteúdo teórico voltados para a cidadania e profissionalização. Trata-se de aprendizado que permite a construção de uma nova relação com o saber, multifacetado, contextualizado, multidisciplinar e, inclusive, a maioria dos programas de capacitação não segue o calendário escolar regular, permitindo a inserção do jovem no mercado de trabalho durante todo o ano.
O Novo Ensino Médio tende a capturar os jovens, os propósitos da Lei da Aprendizagem e seus conteúdos, deixando pouca margem para a autonomia das entidades qualificadoras de aprendizes. Não nos posicionamos contra a formação para o trabalho, criticamos o modelo idealizado no Novo Ensino Médio, a contínua precarização da estrutura escolar e os impactos sociais de uma política de “cobertor curto”.
Como educadores, compartilhamos do interesse que o maior número de jovens tenha acesso à educação de qualidade e que consiga estender ao máximo sua escolarização. A Lei da Aprendizagem não supre a demanda de vagas, tendo em vistas sua subutilização, por isso, a educação para o trabalho pode ser benéfica para muitos outros jovens sem esse acesso. No entanto, em vez de ser mais um dispositivo para ampliar as oportunidades para aprendizes e não-aprendizes, as convergências de ambas as leis as torna disjuntivas.
A Lei da Aprendizagem nos últimos 20 anos impactou muitos jovens e famílias, mesmo sendo subutilizada, pois, no país, não mais que 30% das empresas obrigadas a contratar aprendizes já o fez. Ainda assim, entre 2005 e 2017, mais de 3,5 milhões de contratações de jovens foram realizadas no período. A Lei estipula a obrigatoriedade da escolarização até a conclusão do Ensino Médio, proporciona renda, condições de trabalho adequadas à idade do jovem, jornada de trabalho que não interfira na escola e é uma das principais ferramentas para erradicação do trabalho infantil. Além disso, atribui responsabilidade ao empresariado (o capital) que divide o ônus da formação, isto é, o curso de capacitação profissional teórico é realizado como parte da jornada laboral.
A formação pelo trabalho desenvolvida na Lei da Aprendizagem permite que o Estado e o setor privado dividam a responsabilidade da formação dos jovens trabalhadores. O Novo Ensino Médio, mesmo que necessário para atender um grande número de jovens sem a oportunidade de acesso à Aprendizagem Profissional, além de se adequar aos novos tempos e as transformações sociais e culturais relacionadas ao trabalho. Ainda assim, infelizmente, nada mais é que o capital devolvendo a responsabilidade total da formação dos futuros trabalhadores à escola, eximindo-se da sua participação (econômica e social) na construção do novo trabalhador, seja ele um aprendiz ou um não-aprendiz.
Imagem de destaque: Palácio do Planalto