Políticas curriculares e as possibilidades de uma governança escolar democrática

Roberto Rafael Dias da Silva

 

Ao acompanharmos a construção política da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no Brasil, para além das questões efetivamente curriculares, constatamos facilmente que suas maiores críticas advêm das questões concernentes à ausência de uma “governança escolar democrática”. Utilizo essa expressão após ter realizado uma cuidadosa leitura da coletânea “La gobernanza escolar democrática”, organizada pelos colegas espanhóis Jordi Collet e Antoni Tort. Elementos extraídos da obra, conforme apontarei no decorrer deste texto, têm me trazido importantes contribuições para pensar o processo de construção (e implementação) da BNCC.

Em sua introdução, Collet e Tort (2016) explicam que a coletânea é derivada de um seminário intitulado “Hacia uma gobernanza escolar democrática e del (bien) común” organizado na Universidad de Vic (UCC), em Barcelona. Um de seus pontos de partida, na mobilização do seminário, era a percepção de que “as respostas no mundo da educação e da escolaridade estavam começando a construir-se somente desde o ‘como’ (como avaliar, como melhorar resultados, como liderar bem uma escola)” (p. 12). Ou seja, interessava aos organizadores do seminário uma volta a indagações básicas sobre “para que educar”, “que escola desejamos construir” ou mesmo “o que significa uma boa escola”. Collet e Tort sinalizam que, em torno dessas questões, os modelos neoliberal e neoconservador têm apresentado predomínio político nos direcionamentos das políticas de escolarização.

Acerca da lógica neoliberal, o capítulo escrito por Stephen Ball na referida obra oferece uma indispensável descrição da “despolitização da educação”, ora predominante. À medida que os princípios da escolha e da competitividade adquirem centralidade, as políticas têm sido construídas a partir da eliminação do político e da ênfase nas práticas empresariais. Destaca o sociólogo britânico que “a despolitização opera para converter as condições coletivas de experiência em problemas pessoais, substituindo as decisões políticas e econômicas por fracassos e responsabilidades individuais” (p. 24).

No que tange à agenda neoconservadora, merece destaque a análise oferecida pelo historiador Antonio Viñao. Argumentando acerca do contexto espanhol, Viñao aponta para uma intensificação das lógicas burocráticas e suas formas de controle. Isto seria materializado, por exemplo, nas seguintes práticas:

[…] regulação detalhista de um currículo baseado sobretudo na aprendizagem de alguns conteúdos determinados, controle, ordem, estandardização, prestação de contas e controle de resultados, predomínio de ideias e formas de pensar tradicionais, hierarquização, burocratização, reforço das estruturas e modos autoritários de governo e gestão, assim como a índole seletiva dos sistemas educativos, etc. (p. 42).

Outros capítulos compõem a coletânea; mas, para este momento ainda desejo chamar a atenção para a alternativa política proposta ao final da obra, qual seja: a governança escolar democrática. Ultrapassando as perspectivas neoliberal e neoconservadora, os autores propõem novos modos de governança colocados a serviço de processos de justiça e democracia. Em sua argumentação, “construir lógicas, conceitos, formas de governo e identidades alternativas à governança da nova gestão pública requer, conforme temos dito, fortes doses de perguntas radicais” (p. 134). Formular perguntas radicais pode encaminhar a construção de uma educação democrática que, na acepção de Joan Subirats em seu capítulo na coletânea, favorece a constituição de uma inovação social caracterizada pela “democracia do comum” (p. 79).

Assim sendo, encontro nesta obra um conjunto representativo de boas análises e proposições para a educação contemporânea. Em termos de políticas curriculares (e escrevo pensando na BNCC), precisamos seguir apostando em leituras que oportunizem a mobilização de questões radicais e, ao mesmo tempo, ofereçam ferramentas para que os coletivos escolares possam promover outras formas de governança – mais solidárias, mais democráticas e que visem a construção do comum.


Referência:

COLLET, Jordi; TORT, Antoni (Orgs.). La gobernanza escolar democrática. Madrid: Morata, 2016.

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