Verde, amarelo, azul-anil

Dalvit Greiner 

Ontem foi 19 de novembro. Dia da Bandeira que, pelo visto, só é muito comemorado pelos escoteiros da cidade de São Paulo e pelas forças militares brasileiras. Bem que o poeta Olavo Bilac, que era inspetor escolar do Rio de Janeiro, tentou criar uma tradição escolar. Criou um hino, com o maestro Francisco Braga, cheio de força juvenil colocando nesse futuro que é a juventude um amor e uma responsabilidade pelo país e a nação. Um imenso reforço à sacralidade da pátria: “Recebe o afeto que se encerra em nosso peito juvenil”.

Bilac liderou a campanha cívica pelo Serviço Militar obrigatório e, com alguns militares, fundou a Liga de Defesa Nacional. Acreditou que os escoteiros eram o meio ideal para difundir a ideia de comemorar a bandeira que, me parece, só pegou em São Paulo. Uma comemoração tão militarizada que acabou por espantar os civis. O brasileiro acredita no verde-amarelo mais em função dos esportes – da seleção brasileira de futebol, principalmente – do que no significado da bandeira. Ou seja, acreditam mais nas cores do que no símbolo, apesar dos símbolos visuais se valerem das cores.

Convidado a falar na Semana da Pátria, comemorado pela Embaixada Brasileira na República Dominicana: o tema era explicar a bandeira do Brasil para os estrangeiros, as cores, as formas, o dístico. Ali, fui solenemente desafiado por uma ouvinte a explicar porque a bandeira brasileira não tinha a cor vermelha, como a maioria das demais bandeiras americanas. E não foi tarefa fácil explicar essas cores na bandeira, muito menos explicar porque não somos vermelhos. Então, primeira observação que fizemos: boa parte das bandeiras latino-americanas carregam marcas da Revolução Francesa, sem no entanto carregar o vermelho com aquele significado das ruas de Paris. A bandeira da Argentina, por exemplo, não tem vermelho, mas no seu brasão de armas traz o barrete frígio ao centro, como também as armas da Colômbia. Quando se olha mais de perto, apenas Brasil, Argentina e Uruguai não colocaram o vermelhinho francês, tendência da época, nas suas bandeiras. O Brasil manteve o vermelho nas bandeiras estaduais, resultado de suas lutas insurrecionais, porém cada vermelho com seu significado. Creio que a exceção é mesmo a Bahia que tem a intenção francesa nas cores.

Mas o que salta aos olhos na bandeira do Brasil que comemoramos ontem? A sua permanência. A nossa bandeira representa, na minha opinião, muito bem as nossas lutas. E não tem vermelho, ou outra menção popular, porque não tivemos povo liderando as lutas pela Independência. Quem conduziu e fez a Independência no Brasil foi uma elite econômica e assim ela marcou a bandeira do Império. Veja lá as marcas dos plantadores de café e tabaco amarrados por um laço dourado – o laço da nação. Quem desenhou essa bandeira foi Debret, que fez um rascunho para dom João VI, aproveitando-o na solução final para uma bandeira do Império. Agradou a dom Pedro I. E emenda na explicação: o verde é a cor dos trópicos. Tudo para Debret era verde. Observe as suas pinturas. Então, tem razão as professoras e professores quando ensinam que o o verde da nossa bandeira, reforçado pelo Bilac, “a verdura sem par dessas matas” representa a mata brasileira. Até mesmo porque as cores dos Bragança e de Portugal era o azul.

E o amarelo. Dizem  alguns intérpretes que aquele amarelo, apesar das cores dos Habsburgos, casa de dona Leopoldina, era também a cor – e o formato de losango – visto nos batalhões napoleônicos, de quem Debret era fã. Ou seja, não podia deixar passar sem uma homenagem ao seu rei (que tinha sido deposto em 1815), nem ao seu mestre Jacques Louis David, pintor de Napoleão. Mas, sigamos…

Quando, enfim, veio a República, um projeto liberal em que os positivistas embarcaram, talvez fosse o grande momento de pensar uma nova bandeira, na medida em que as bandeiras significam muito para quem as conduz e para quem as segue. Porém, mais uma vez, cadê o povo? Aristides Lobo sintetizou: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada.” Dessa forma, sem o povo protagonizando ato tão significativo, para quê outra bandeira? Para quê nova bandeira. Remenda-se a velha bandeira. Troca-se as armas imperiais no centro pelo grande círculo do céu do Rio de Janeiro no dia da Proclamação da República.

Dessa maneira, a história da nossa bandeira nacional é a história da nossa conservação política. Os liberais paulistas, mineiros e cariocas, grandes plantadores de café abriram uma concessão para os positivistas da Escola Militar do Rio de Janeiro. Permitiram-lhes colocar o círculo central e seu dístico: Amor, Ordem e Progresso. Os liberais gostaram, pois com a ordem militar-policial mantida pelo Exército poderiam continuar o progresso de suas lavouras. Os militares deram o golpe em favor dos liberais e assim mantiveram a conservação. Um Exército a serviço das classes dominantes precisa mesmo comemorar essa bandeira. Por que trocar a bandeira?

Ou o oposto: façamos uma luta popular que justifique a troca dessa bandeira. Vermelha?


Imagem em destaque: Hino à Bandeira (1940), Acervo Projeto Eliseu Visconti 

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