Vamo Junto? A importância do território e das redes sociais para a mobilização social

Paloma Coelho*

Os sentidos atribuídos ao território são diversos e abrangem múltiplas dimensões: além dos componentes físicos, ele também é constituído por aspectos sociais, culturais, políticos e simbólicos. A formação de um território não é anterior à intervenção humana, pois ele é indissociável de relações sociais que, projetadas no espaço, resultam não só na transformação e produção para atender as necessidades humanas, como também na conformação de identidades, memórias e pertencimento.

A globalização e os avanços tecnológicos engendraram novas formas de conceber o território, intensificando o fluxo de pessoas, de capital, de bens materiais e simbólicos, gerando novas configurações territoriais, novos sentidos e identificações. O mundo globalizado passa a ser atravessado pelos não-lugares (AUGÉ, 1994), espaços de passagem que, descaracterizados e desvinculados de tradição e de elementos identitários, se opõem à estabilidade, pessoalidade e historicidade dos lugares.

Dentre os novos sentidos atribuídos ao território, talvez o mais significativo atualmente seja o espaço virtual. A internet potencializou os efeitos da globalização, encurtando ainda mais tempos e distâncias, conectando pessoas e processos em âmbito mundial, possibilitando a simultaneidade da presença em vários locais. O crescente deslocamento de pessoas, de trocas e influências culturais, somado à total desmaterialização do espaço levou a teorias sobre uma suposta desterritorialização, ou seja, a consequente e gradativa dissolução e desaparecimento dos territórios. A mudança também se daria em termos de escala: a supressão do local – com seus repertórios simbólicos e identitários – em detrimento do global.

O que se percebe, entretanto, é o que Milton Santos definiu como “o retorno do território”. Ao mesmo tempo em que se vivencia uma lógica global das relações e dos processos econômicos e políticos, verifica-se um forte apelo ao local, com o fortalecimento de identidades, especificidades culturais, tradições e memórias. No âmbito das políticas públicas isso fica evidente nas diversas ações territorializadas que retomam os sentidos tradicionais, embora sem, muitas vezes, considerar as novas configurações e articulações produzidas na contemporaneidade. A crítica que se faz a essas políticas é a de que elas, em sua maioria, se baseiam em uma lógica técnico-administrativa que desconsidera o território como um espaço vivo, dinâmico e permeado por repertórios simbólicos e identitários. Com isso, as ações são realizadas de maneira autoritária, verticalizada e distante da realidade da população local, principal beneficiada por essas políticas.

Nesse sentido, o projeto Vamo Junto? Enfrentando a dengue, zika e chikungunya, desenvolvido pela Fiocruz Minas, propõe uma intervenção de base territorial que considere o território em sua multiplicidade, atentando para os aspectos relacionais específicos de cada contexto, que se expressam na relação dos indivíduos com o seu território, nos tipos de sociabilidade existentes e nas suas dinâmicas. Tal perspectiva envolve compreender a realidade local por meio dos aspectos materiais e simbólicos que constituem os fundamentos morais da vivência coletiva, essenciais para o desenvolvimento de ações de mobilização social que visem estimular o protagonismo local, fortalecer territorialidades e ampliar o exercício da cidadania. A análise do contexto local permite a realização de ações que estejam mais em consonância com as demandas e especificidades da população, promovendo autoestima, confiança, solidariedade, pertencimento e apropriação do território.

Para isso, o projeto prevê um estudo das redes sociais locais – como família, vizinhança, grupos religiosos, culturais e esportivos, associações de bairro -, compreendendo o seu funcionamento, os seus usos e suas dinâmicas para que, a partir disso, sejam pensadas estratégias para o estabelecimento de possíveis pontes entre a atuação dos comitês populares formados e o restante das comunidades. Espaço de horizontalidade, as redes sociais contribuem para a produção de solidariedades coletivas, imprescindíveis para a organização social e para a promoção de ação política nos territórios.

As relações sociais conformadas nas e pelas redes resgatam o valor da contiguidade, das interações cotidianas por meio das quais a política se territorializa. São elementos-chave para estabelecer articulações entre os diversos atores – governo, instituições científicas, comunidade local e organizações civis -, favorecendo a disseminação de informações, a realização de acordos e o envolvimento da população na vida pública. Consequentemente, essa se vê como corresponsável na produção e exercício da cidadania, atuando como multiplicadora do conhecimento em sua comunidade.

 

REFERÊNCIA

AUGÉ, Marc. Não-lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994.

*Pós-doutoranda da Fiocruz Minas

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.


Imagem de destaque: Daniel Monteiro / Unsplash

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