Uma ponte entre os anos sessenta e os dias atuais: desfazendo “avanços civilizatórios”

Ana Costa

 

Você já sentiu nostalgia por algo que não viveu? É fácil senti-la diante das histórias dos movimentos de educação e cultura popular do início dos anos 1960. Tema e período ainda pouco estudados pela historiografia da educação pedem uma abordagem pautada nas regras do ofício do historiador. Ao mesmo tempo, o potencial mobilizador de sua memória pode iluminar caminhos nos tempos obscuros em que vivemos.

Movimentos educacionais como o Movimento de Educação de Base (MEB), O Movimento de Cultura Popular do Recife (MCP), Os Centros Populares de Cultura (CPCs) da UNE, a campanha De pé no chão também se aprende a ler e escrever, em Natal promoviam ações pedagógicas transformadoras a partir das bases de nossa sociedade.

Articulados às organizações populares como Ligas Camponesas, sindicatos, movimentos de periferias urbanas, almejavam democratização, promoção de uma sociedade justa, com igualdade, onde o trabalhador tivesse acesso a terra, à moradia, saúde, educação. Em que as riquezas do Brasil produzidas pelo trabalho de sua gente a partir dos recursos naturais de seu território pudessem fazer prosperar seu povo.

Havia diferenças nas linhas políticas dos diferentes grupos envolvidos naqueles movimentos. Alguns defendiam reformas que melhorassem a vida do povo sem romper com a ordem econômica capitalista. Outros defendiam uma linha revolucionária que conduzisse ao socialismo.

A pequena ilha de Cuba liberta da aristocracia governante associada ao imperialismo norte americano dizia que podíamos seguir por um caminho soberano. Movimentos por direitos civis de negros, mulheres, população pobre nos próprios Estados Unidos sugeriam que devíamos buscar tais caminhos. Por que não?

Alfabetização e cultura popular seriam o fermento para fazer crescer a organização e mobilização política. O analfabeto não mais entendido como entrave ao desenvolvimento, sujeito infantil e incapaz, encontra espaço para dizer sua palavra e com ela expressar suas necessidades, sonhos, valores e possíveis soluções aos problemas. Estudantes circulam pelo Brasil conhecendo a realidade nacional e traduzindo em arte a vida sofrida do povo. “Subversão”, “excesso de democracia”, “balbúrdia”!

Em sua dissertação sobre o movimento De pé no chão também se aprende a ler criado em Natal, no ano de 1961, pela articulação entre o movimento popular e o governo de Djalma Maranhão (PCB), encontramos uma referência tristemente atual. Germano cita uma passagem da obra de Márcio Moreira Alves intitulada “1968 O Cristo do povo” em que o autor narra a ocupação da Universidade de Brasília (UnB) pelos militares em 1968 e a fala do coronel Darcy Lázaro naquele momento: “Se esta história de Cultura vai-nos atrapalhar a endireitar o Brasil, vamos acabar com a cultura durante trinta anos”. Sim, aquela história de cultura era perigosa ontem como é hoje.

Nossa primavera foi interrompida em 1964 pelo golpe militar e ainda carregamos as cicatrizes de profundas feridas mal curadas. Mas, superamos a longa noite que durou 21 anos e, na década de 1980 “foi outro dia”, como dizia o poeta… “amanhã vai ser outro dia”. Novamente os movimentos populares ganharam o cenário político e com eles as questões educacionais e a luta em torno e por meio da educação. Logramos avanços importantes no campo da cultura: a universalização da educação fundamental, os debates de significativas questões sociais inscritas como temas transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais – gênero, meio ambiente e outros, e aos poucos, a ampliação do acesso ao ensino superior, o início de sua democratização com as políticas de cotas, uma consciência étnico racial que se afirmava com a aprovação de leis como a 10.639/03 e 11.645/08.

Podíamos dizer que a tendência era de que os jovens fossem formados com perspectivas mais abertas, pluralistas. Víamos as primeiras gerações de famílias de classes populares acessarem a universidade pública. “Balbúrdia”, “excesso de democracia”!

Esse movimento gerou reação em setores privilegiados da sociedade ciosos de seus privilégios. Eles se levantaram para “endireitar” essa sociedade onde mulheres, pessoas LGBT, negros e indígenas e a classe trabalhadora estavam ganhando espaço de mais. E, “se essa história de cultura fosse atrapalhar”… Estamos acompanhando as consequências: cortes no orçamento da educação, controle ideológico e projetos de lei como “escola sem partido”, desqualificação das ciências sociais e humanidades, ataques às universidades, cortes do financiamento à pesquisa científica. A ideia é deixar a educação morrer a míngua sob uma justificativa de política econômica, entretanto, as tropas estão a postos em caso de resistência.

Talvez tenhamos cruzado uma linha fundamental em que o avanço das relações sociais democráticas tenham nos levado de volta aos primórdios do próprio processo civilizatório.

Imagem de destaque: Gabriel / Unsplash

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