Relações indivíduo/sociedade e mudanças sociais. – Parte II

Antonio Carlos Will Ludwig

A versão estruturalista sincrônica se encontra em Althusser. Em sua obra Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado ele afirma que o Estado deve ser entendido como um órgão repressivo que possibilita às classes sociais dominantes garantir a sua preponderância sobre a classe trabalhadora com vistas à obtenção da mais valia. Este Estado também possui um conjunto de aparelhos ideológicos que são instâncias singulares e especializadas em determinadas tarefas voltadas para a função de garantir a reprodução das relações de produção que se caracterizam pela exploração dos trabalhadores.

Em termos comparativos podemos verificar que as  conjunturas emergentes na vida em sociedade se apresentam como  configurações dotadas de grande visibilidade e que por causa disso  tendem a obscurecer e a ocultar a  estrutura  que confere sustentação a elas. É possível inferir também que as alterações conjunturais são  muito mais frequentes e rápidas que as estruturais.

A relação entre estrutura e conjuntura pode ser exemplificada através da Revolução Francesa ocorrida no século dezoito. Na França até a penúltima década deste século vigorava uma estrutura política denominada monarquia absolutista. Tal estrutura tinha como destaque a figura do rei que era dotado de um poder superior a qualquer outro além de concentrar em si os três poderes que são próprios das democracias atuais e contar com uma aliança com a nobreza e o alto clero. Esta estrutura sustentou uma conjuntura social e política caracterizada pela corrupção, abusos de vários tipos, múltiplos privilégios, domínio sobre a vida, liberdade e morte dos súditos, condutas de arrogância, prática da ociosidade, demonstração ostensiva de luxo, ausência de obrigações e instituição de vários e severos deveres ao povo.

Vale observar que certas mudanças mais profundas  que já ocorreram na sociedade, as quais se configuraram como alterações estruturais, se manifestaram de maneira inesperada, de modo  não planejado por um conjunto de pessoas. Isto não significa, entretanto, uma relativização ou uma minimização do papel do ser humano em relação a elas.

Ressaltamos que o homem é sempre o objeto e o autor de toda práxis produtiva, social e política. Assim sendo nenhum fato histórico se manifesta sem a intervenção humana. Tem-se como certo então, segundo Vázquez em sua obra Filosofia da Praxis, que tanto o desenvolvimento das forças produtivas como a destruição ou criação de determinadas relações sociais, tanto as relações econômicas como as políticas são produto da atividade prática dos homens.       

Esta perspectiva nos autoriza dizer que inexiste sociedade à margem de pessoas reais bem como inexistem pessoas reais à margem da sociedade. Portanto, os indivíduos como seres originais e as relações entre eles revelam-se condicionados pela organização social historicamente constituída. Destaque-se que muitas ações pessoais que ocorrerem no âmbito da vida em sociedade podem se integrar numa ação comum cujas consequências tendem a extrapolar as intenções e os resultados dessas ações.

Podemos dizer então com outras palavras e levando em conta Vázquez que a práxis intencional do indivíduo funde-se com a de outros numa práxis inintencional – que cada um deles isoladamente não buscou nem desejou – para produzir resultados que também não foram buscados ou desejados. Resulta daí que os indivíduos, enquanto seres sociais, dotados de consciência e vontade, produzem resultados dos quais não são conscientes. A esse respeito, Vázquez menciona como exemplos o desaparecimento do feudalismo, o surgimento do capitalismo e o aparecimento do Estado centralizado.

Embora seja impossível negar a ocorrência desse fenômeno social, cabe dizer que o processo histórico nem sempre se apresenta de modo inconsciente. Tal é o caso, por exemplo, da aplicação de golpes de Estado e da erupção de movimentos revolucionários que já foram tramados por grupos de pessoas portadoras de ideias afins, apesar dos percalços, contradições e conflitos surgidos em todo o processo. A união de pessoas voltadas para a  elaboração de  um projeto transformador  bem como empenho delas na sua concretização é bastante possível e constitui uma forma  adequada de protagonismo político no âmbito de uma sociedade alicerçada na democracia.

Pelo que foi exposto pode ser considerado certo que mudanças pessoais sejam  vistas com alterações sociais. Neste caso cabe apontar que fatores cognitivos, experienciais e emocionais as desencadeiam. Consequentemente a aquisição de novos conhecimentos, a emergência de novas necessidades  e a manifestação de sentimentos até então inexistentes devem ser olhados como transformações individuais. Também é o caso do fenômeno da mobilidade social, isto é  a transição galgada por alguém de uma posição a outra de modo horizontal ou vertical.     

Em se tratando da aquisição de novos conhecimentos a teoria da socialização do saber escolar defendida por Duarte, Oliveira e Saviani é bastante ilustrativa. Esta teoria afirma a necessidade de distribuição do conhecimento à totalidade daqueles que estão aptos a recebê-lo e que deve ser efetivamente assimilado por todos. O conhecimento em questão diz respeito àquele que pertence ao acervo cultural dos grupos dominantes da sociedade, pois a detenção desse conhecimento é de fundamental importância às classes subordinadas, uma vez que, do ângulo político, aqueles que não o possuem de fato constituem uma massa manobrável, o que facilita o processo de dominação. Neste sentido, a posse de tal conhecimento é por demais relevante tendo em vista a implementação de ações que visam alterar as condições de existência.

Em tal perspectiva, a prática educativa enquanto parte integrante da prática social é um local de luta por mudanças profundas na sociedade que tende a manter-se injusta. Assim sendo, alguns aspectos dessa transformação que fazem parte do processo de transmissão e assimilação do saber elaborado, já se efetivam nesse processo.

Considerando-se os limites de sua especificidade eles já acontecem na própria prática educativa. O processo de transmitir e assimilar o conhecimento elaborado, dependendo de como for relacionada sua forma com o respectivo conteúdo provoca, no desenrolar desse processo, a assimilação de uma postura política por parte do educando e, obviamente, também pelo educador, mesmo que ela não tenha sido conscientemente percebida ou clarificada. A geração de efeitos já no interior da sala de aula é, portanto, um fato notório. 

A emergência de novas necessidades e novos sentimentos, que também podem ser consequentes do processo de assimilação de saberes, normalmente resulta de ações educativas formais e informais incidentes na esfera dos valores e atitudes. A esse respeito vale observar que presentemente as escolas estão dando uma atenção especial aos objetivos e conteúdos de cunho afetivo, fato que no passado era quase inexistente porquanto a prática educativa assentava-se em bases predominantemente cognitivas.

O fenômeno da mobilidade social, geralmente tratado de modo positivo, implica uma relação com a ideia de desenvolvimento, pois em uma sociedade estagnada ou em retrocesso ela é praticamente inviável. Quanto a isso  é sabido que o oferecimento de uma educação de qualidade para todos pode reduzir e até eliminar os altos níveis de pobreza, desde que as demais políticas públicas sejam implementadas juntamente com as políticas educacionais. É sabido também que pessoas que passaram pelos bancos escolares são capazes de atender às exigências do mercado, e, consequentemente, têm maiores chances de conseguir emprego, fato que permite aos indivíduos deixarem a situação de pobreza diminuindo  as desigualdades sociais.    


Imagem de Destaque: Pexels 

 

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