Reflexões sobre infâncias, exclusão social e arte: o que nos diz o filme “Vermelho Como Céu”?

Shellen de Lima Matiazzi*

Dedico essa história a você,
se chama “a chuva termina, o sol aparece”.
Trecho do filme Vermelho como Céu

Recentemente, assisti novamente a obra cinematográfica italiana chamada “Rosso come il cielo”, no português “Vermelho como o Céu”. Lançado em 2006, do diretor Cristiano Bortone, o longa-metragem é um enredo repleto de reflexões sobre infâncias, deficiência, exclusão social e arte. Baseada em fatos reais, a história narra sobre a vida de um menino de aproximadamente nove anos que, após um acidente com um rifle dentro de casa, perde sua visão e passa a vivenciar as experiências de um mundo até então nunca sentido.

A obra cinematográfica que se passa em duas cidades italianas – a primeira na região da Toscana e a segunda em Gênova – mostra uma história vivida nos anos 1970 e, de forma sutil, traz os contextos sociais dessa época na Itália, com reivindicações sociais, políticas e trabalhistas. Direcionando olhares para as crianças, o filme se inicia mostrando as relações afetivas e sociais do menino Mirco, seu protagonista, em momentos de brincadeiras com seus pares, com sua família e, mais atentamente, o seu apreço pelo cinema.

Todavia, após um terrível acidente doméstico, Mirco, perde a visão e não pode mais frequentar a escola pública da cidade, destinada às crianças “normais”, sendo necessário ser encaminhado para uma outra cidade, em uma escola exclusiva para cegos. Nesse cenário, em que o menino precisa se distanciar da família, de seu ambiente social para ir viver em um internato para que possa continuar a estudar, o filme nos faz pensar sobre o olhar díspar para as crianças cegas, mostrando uma concepção de sociedade em que o deficiente era visto por aquilo que lhe faltava, sua incompletude ou a ausência de…, evidenciando que àqueles que não estavam de acordo com a “normalidade” eram negados os direitos sociais, civis, políticos.

Já na escola, Mirco está diante de um ambiente que os segrega, que não possibilita a criação, a alegria, apenas a operacionalidade de atender ao mercado de trabalho. Diante dessas considerações, cabe-nos a reflexão também sobre o olhar socialmente produzido sobre as infâncias, as crianças pensadas sob a lógica do capital, que devem ser moldadas e preparadas para a vida adulta, cabendo-lhes obedecer e aceitar passivamente as normativas adultas. Todavia, Mirco rompe com esse modo de pensar a infância, apresentando-nos como as crianças criam, recriam e subvertem a lógica dos adultos.

Os percursos criativos de Mirco, Francesca, Felice, Valerio e outros meninos trazem à tona a poética do filme… A experiência singular do criar e fazer a partir dos modos de sentir, ver e agir no e com o mundo, sob a ótica das crianças, que se fundamentam nas brincadeiras e interações com seus pares.

O filme vai compondo-se de sentidos, sentimentos, sonoridades, afetos e afeições, que revelam como as crianças realizam criações a partir de alguns elementos, mostrando-nos que o processo é muito mais importante do que o resultado e, ainda, a compreensão da infância como um modo de vida, de intensidades, que nos diz que tudo pode ser feito, vivido, de um outro jeito. Assim, com um gravador em mãos, criam narrativas, exploram espaços nunca antes vividos, produzindo outros modos de ocupação do espaço, de utilização de diferentes objetos, dessa vez, sob os olhares atentos das crianças. O gravador é – além de uma ferramenta útil e disponível ao processo criativo das crianças – uma metáfora da escuta atenta às infâncias.

Vermelho como céu é um filme realista, sensível, que se apoia na composição estética entre paisagens, sombras, elementos da natureza, toques e sonoridades, sem deixar de lado a crítica social, a importância dos movimentos sociais e políticos que buscam romper com práticas homogeneizadoras e excludentes. Indicação oportuna, para análise, provocações e reflexões em tempos tão sombrios – e de muitos retrocessos – para as infâncias e a inclusão no Brasil.

 

* Mestre em Educação, Professora e pedagoga da Rede Municipal de Vitória -ES, membro do grupo de Estudos em Educação, Pobreza e Desigualdade Social (GEEPDS).


Imagem de destaque: Distribuição Lady Film

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *