Reflexões sobre a profissão de professores a partir da historiografia capixaba: o caso Joanna Passos

Ariadny Bezerra¹

As pesquisas desenvolvidas no Núcleo Capixaba de História da Educação (Nucaphe), têm se mobilizado, a partir das propostas teóricas e metodológicas da micro-história italiana, a fim de elaborar perguntas gerais que podem ser respondidas por meio de investigações locais. Por esse procedimento historiográfico procuramos, também, trazer à tona sujeitos invisibilizados em narrativas totalizantes da História, desmontando narrativas coloniais, que sustentaram a exclusão social e déficits historicamente produzidos.

A dissertação de mestrado Supremo escândalo: o caso Joanna Passos e o exercício do magistério no Espírito Santo no início do século XX (BEZERRA, 2019) se dispõe como um desses trabalhos ao propor investigar o processo demissional e a inconformidade da professora Joanna Passos, no contexto da Reforma Educacional direcionada pelo paulista Gomes Cardim (1908-1909), no Estado do Espírito Santo, para problematizar as formas de controle e regulação exercidas sobre a docência, em meio às relações de força que atravessaram o exercício do magistério capixaba, considerando a coexistência do coronelismo local e dos ideais de modernização republicana, durante o governo de Jerônimo Monteiro (1908-1912). 

Concursada há quatro anos, Joanna Passos foi exonerada do magistério público do Espírito Santo em 1909, sob as acusações de não ter compromisso com os deveres de sua profissão e de ser censurável a sua conduta privada. Inconformada com a sua demissão, em carta, publicada no Jornal Estado do Espírito Santo, intitulada “Ao Público”, revelou aspectos da precária situação de trabalho à qual os professores eram submetidos na época e denunciou a difamação como traço da violência moral utilizada como mecanismo de controle da docência: “A infame e falsa queixa deu em resultado a minha demissão[…]. Não contentes da indigencia a que me condemnaram, os Srs. Alberico Santos e Gomes Cardim fôram até onde somente descem os desclassificados – atiraram-me na lama da defamação!” (PASSOS, 1909, p. 2). Argumentava, também, ser moça pobre e indefesa. 

Nesse sentido, a pesquisa evidencia o domínio oligárquico como fator que reforçava a situação de marginalidade da professora, tornando ainda mais frágil a sua posição na sociedade patriarcal capixaba, do início do século XX.  Em contrapartida, Joanna demostrou não ser tão indefesa assim e chegou a enfrentar o inspetor que relatou contra ela: “[…] esse rapaz não póde se desempenhar do cargo que occupa, pela simples razão de nada haver aprendido, como demonstrado ficou em concurso que prestou […] e como ainda posso provar se elle quizer se sugeitar a um torneio comigo, sobre as materias exigidas para professorado!”. Dizia ainda que “seria uma cousa interessante vê-se um Inspector Escolar sem saber fazer um simples ditado!” (PASSOS, 1909, p. 2). Afirmando precisar do cargo para garantir o seu sustento e o de sua mãe viúva, chegou a se submeter a um exame médico para comprovar a sua virgindade.  

A partir dos desdobramentos desse episódio, o estudo considera que a articulação da moralidade como mecanismo de controle da docência, muitas vezes, em detrimento de exigências relacionadas com a habilitação profissional necessárias ao cargo de professor, destaca traços do elitismo, do favorecimento político e do nepotismo no preenchimento de cargos públicos que comprometiam a constituição dessa categoria como profissão e a prestação de serviços públicos, como a Educação.  Por outro lado, apesar de não ter conseguido reverter a sua demissão, a corajosa inconformidade de Joanna Passos, mobilizou quantidade considerável de manifestações a seu favor, divulgadas nos jornais locais. Desse modo, a complexidade e a abrangência das estratégias empregadas por Joanna, em um contexto repressor, colocaram na “berlinda”, aos olhos da população, efeitos perversos do mandonismo do governo local, possibilitando compreender a constituição da profissão docente como um processo carregado de imposições, mas também de lutas, conflitos, resistências e recuos.

1Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Ufes e membro do Núcleo Capixaba de Pesquisa em História da Educação (Nucaphe). 

 

Para saber mais:

BEZERRA, Ariadny. Supremo escândalo: o caso Joanna Passos e o exercício do magistério no Espírito Santo no início do século XX. 2019. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2019.  

PASSOS, Joanna. Ao público. Estado do Espirito Santo, Vitoria, p. 2, 15 maio 1909.


Imagem de destaque:  O CASO da ex-professora d. Joanna Passos: a conducta do Governo. Estado do Espirito Santo, Vitória, ano XXVIII, n. 108, p. 1, 28 maio, 1909.

 

 

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