Rede Paulo Freire: educação como meio e como fim

Heitor Novaes

Fundada no 99º aniversário do patrono da educação no Brasil, Paulo Freire, a Rede Paulo Freire (RPF), articula educadores, profissionais da educação, estudantes, e todos que possam interessar. A intenção é auxiliar na concepção de políticas públicas, projetos e ações visando um plano de educação baseado no diálogo, na horizontalidade na relação entre os sujeitos envolvidos e na contribuição em sua formação e aprendizagem. Com o intuito de conhecer melhor esta iniciativa, o PEPB conversou com Fernanda Leal, da coordenação colegiada da Rede

Fernanda Leal é graduada em Psicologia pela Universidade Estadual da Paraíba. Mestrado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Campina Grande. É professora da Universidade Federal de Campina Grande, onde também desenvolve projetos de pesquisa e extensão relacionados à Educação do Campo, Educação Infantil do Campo, Contextos Específicos e processos de subjetivação. É líder do Grupo de Estudos e Pesquisas Infâncias, Educação Infantil e Contextos Plurais (Grão) e é membro do Fórum do Agreste Paraibano de Educação Infantil, vinculado ao MIEIB.

PEPB: Como surgiu a ideia da Rede, e por que ela se faz necessária a despeito das estruturas de políticas públicas já existentes hoje?

Fernanda Leal: A Rede Paulo Freire surgiu em articulação com o Projeto Mandacaru, ação coordenada pelo pesquisador Miguel Nicolelis. Nela há círculos temáticos que, por sua vez, originaram frentes e redes. No desenvolvimento das ações, surgiu uma articulação entre universidades, institutos federais e fundações de pesquisa do Nordeste. Assim, a ideia original da RPF foi desenvolver uma rede de pesquisas temáticas em Educação, vinculada a esta Rede de Instituições de Ciência e Tecnologia. Porém, ela nasce com um escopo mais amplo, herdando as formas de articulação que já haviam se desenvolvido no Mandacaru, em que os pesquisadores acadêmicos interagem constantemente com outros atores, de fora da academia.

A importância da Rede se dá no modo como pensa e organiza a educação, compreendida em sentido amplo. Ela é também uma forma de atuar em diversas frentes, e não somente nos contextos escolares, que considerem temas prioritários e urgentes que precisam ser pensados e tratados à luz do diálogo respeitoso e consequente com as pessoas e instituições envolvidas. A ideia é pensar a educação como meio e como fim, que se faz no processo e gera mudanças relevantes para as pessoas e a sociedade.

PEPB: Como é estruturada a rede?

Fernanda Leal: A Rede Paulo Freire tem uma coordenação colegiada, formada por pessoas que trazem perspectivas diversificadas, em reuniões plenárias quinzenais. Estamos estruturando de forma gradual os círculos e frentes temáticas para os temas priorizados, de modo que possam ser espaços para aprofundamento e para que o crescimento aconteça de maneira a fortalecer cada um desses temas.

PEPB: Por que foi escolhido o nome de Paulo Freire?

Fernanda Leal: Trata-se de um justo e merecido reconhecimento à memória de Paulo Freire, de enunciação e re-enunciação das contribuições dadas pelo patrono da Educação brasileira. Também, como forma de resistência e de provocação de sentidos caros a uma educação emancipadora, que visa à conscientização das pessoas sobre as realidades em que se veem inseridas, e das quais, portanto, são concomitantemente produtos e produtoras. Além disso, Paulo Freire é um nordestino que ousou ir para muito além das teorias, inspirando e transformando as práxis de pessoas e educadores da nossa região, do Brasil e do mundo.

PEPB: Quais objetivos têm a Rede nesse primeiro momento?

Fernanda Leal: Um dos primeiros objetivos é organizar suas ações, verificando as potencialidades que instituições, movimentos sociais, grupos e pessoas que fazem parte da Rede têm para, a partir desta organização, propor projetos em diversos âmbitos da sociedade, tanto no que diz respeito à educação formal como à educação não formal. A articulação com a cultura e com outras redes que pensam o meio ambiente, a segurança alimentar e outros aspectos necessários à construção de uma sociedade mais integrada a princípios humanos, igualitários e solidários é também um objetivo importante da Rede Paulo Freire.

Esses objetivos giram em torno da constituição de frentes de trabalho mais específicas, que lidarão com temáticas prioritárias, tais como Educação do campo, Educação em Direitos Humanos, Educação e Trabalho, Educação e Justiça, Educação para a Não-Violência, Saúde do Profissional da Educação, Educação Infantil, Educação de Coletivos Comunitários, Intersetorialidade, gestão escolar, formação continuada, Educação Especial, dentre outras. Assim, todos aqueles e aquelas que se importam são bem vindos: professores do ensino superior e da educação básica, alunos, pesquisadores, familiares, atuantes em movimentos sociais, gestores públicos, enfim… todos e todas têm espaço e voz nessa rede.

PEPB: A Rede Paulo Freire faz parte do Projeto Mandacaru, junto com o Consórcio Nordeste?

Fernanda Leal: Não é exato dizer que a Rede Paulo Freire faz parte do Projeto Mandacaru. Ela nasceu no seu caldo de cultura, no seu subgrupo de Políticas Públicas, e reúne pessoas de diversos círculos temáticos do Mandacaru. Há, porém, um movimento de autonomização, na medida em que a Rede Paulo Freire já se afasta das prioridades imediatas do combate à pandemia. É o caso, por exemplo, da proposta, ora em análise no Consórcio Nordeste, da Rede de Proteção Integral à Comunidade Escolar, que propõe estadualização do Programa Saúde na Escola, e que, além da prevenção à COVID-19, contempla também as questões de saúde mental, violência familiar e insegurança alimentar. Isso deverá seguir uma visão, estratégias e marca próprias, inclusive no estabelecimento de parcerias, que são uma dimensão fundamental da nossa visão.

Portanto, o Projeto Mandacaru é uma plataforma de voluntários criada pelo Professor Nicolelis, e não é parte do Consórcio Nordeste, que é uma instituição oficial formada por governos. A relação do Projeto Mandacaru com o Consórcio Nordeste é através do Comitê Científico com o qual os voluntários do Mandacaru colaboram.

PEPB: Isso implica que a atuação da rede se limita aos estados nordestinos?

Fernanda Leal: A RPF é voltada à propositura de políticas públicas em educação para o nordeste. Isso não impede, todavia, que pessoas oriundas ou atuantes nas demais regiões ou estados se inspirem ou contribuam para com as proposituras da Rede.

PEPB: Muito se fala de intersetorialidade em projetos como a Rede. O que é exatamente e por que ela se faz necessária?

Fernanda Leal: A intersetorialidade é a integração de ações, conhecimentos e esforços das diferentes áreas da gestão pública, com o firme propósito de entender e atender às complexas demandas da população. Através de redes intersetoriais, se pensa e executa políticas públicas mais eficazes no que se refere ao enfrentamento dos diversos problemas sociais. Trata-se de uma concepção mais ampla de gestão das políticas públicas, pois parte do entendimento de que questões tão complexas como a fome, a desigualdade social ou mesmo a evasão escolar não dizem respeito a tão somente uma pasta ou um setor.

A Educação, nesse sentido, é uma área que lida com vulnerabilidades multifacetadas. Por outro lado, uma pesquisa recente sobre a violência extrema a relaciona com a evasão escolar. E aí, é importante a gente refutar antigos chavões que pregam que a Educação resolve tudo, soluciona tudo – não é bem assim. Apenas uma gestão pública devidamente qualificada e articulada, que enxerga as pessoas de modo integral, holístico, consegue dar conta de demandas tão sérias.

PEPB: O projeto pretende ser horizontal e democrático, e por isso, heterogêneo. Quais os desafios de um ambiente assim?

Fernanda Leal: Os desafios dizem respeito a algo tão simples, mas tão complexo ao mesmo tempo: promover as devidas articulações entre os saberes acadêmicos, sociais e da gestão pública, de modo a propor políticas públicas adequadas às realidades complexas e distintas da nossa região. É um tremendo desafio, ainda mais quando se parte do princípio da participação ampla, democrática.

Por outro lado, não podemos pensar o Nordeste como um todo homogêneo: os desafios da Educação na Bahia não são os mesmos do Ceará. Os debates e esboços de proposituras da RPF, por ora, já nos revelam que a aposta na diversidade, na participação democrática e na escuta qualificada é o caminho para a melhoria da qualidade da educação no nordeste.

Mas, o que é um desafio é, ao mesmo tempo, uma oportunidade e uma aprendizagem. A sociedade precisa cada vez mais de olhares complexos e diversos sobre as realidades que lhes dizem respeito.

PEPB: Como a rede pretende atuar com as diferentes realidades, tanto regionais como sociais, dos diversos estudantes, professoras e professores?

Fernanda Leal: Essa é uma questão complexa, mas que está no horizonte dos que fazem a Rede. Disponibilizar-se para enxergar as realidades, ouvir atentamente quem as vivencia, sentir e decodificar os aromas e sabores de cada localidade, acolher cada perspectiva. Estes são desafios que abraçamos com empolgação.

E por que tanta ênfase na escuta? Porque por meio da escuta tanto compreendemos melhor esses distintos contextos, como colocamos no centro do processo, professores e professoras, alunas e alunos, os grandes protagonistas dessa transformação da educação básica no nordeste. Além disso, a diversidade de temas que desenvolveremos atingirá de forma diferenciada cada região. É provável que alguns temas “peguem” em alguns territórios e não em outros.

 

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