Quando a ausência de um projeto educacional é o projeto

Raquel Melilo
Renata Fernandes Maia de Andrade

Sob a gestão de Abraham Weintraub o Ministério da Educação tornou-se uma pasta com pouca capacidade de propor soluções para velhos dilemas educacionais do país. E se havia uma paralisia no que diz respeito à condução de projetos educacionais de Estado, tão pouco notou-se atitudes propositivas para problemas novos. A pandemia deslocou a atenção do Ministério da Educação para as questões envolvendo a realização do ENEM. A condução do ministério, sob o comando de Weintraub, foi uma resposta para quem ainda se perguntava da capacidade da pasta em realizar uma gestão séria e eficiente.

As diversas declarações midiáticas de Abraham Weintraub, com um verniz fascista e racista, contribuíram para sua saída do cargo. Não foi o único fator, é claro. No contexto da política real, aquela que Bolsonaro conhece bem, o Ministério da Educação virou um território de disputas. A razoabilidade parecia ter dado as caras quando um ministro negro, acadêmico “renomado”, assumiu o posto. Parecia. Carlos Alberto Decotelli foi agraciado por um currículo exemplar. Até descobrirmos que as informações mais importantes do seu currículo eram falsas. Daí nos é apresentado Milton Ribeiro, quarto ministro da pasta. Esperança?

Há quem ainda acredite que vá surgir um projeto educacional do governo Bolsonaro. Acreditamos no oposto. A falta de um projeto educacional é o projeto. Em nossa frente se materializa uma política destrutiva da educação e da ciência. E isso significa destruir a estrutura basilar da própria democracia.

Para se destruir a democracia é necessário colocar em dúvida o conhecimento científico, como uma elaboração coletiva, colaborativa e em constante construção. As escolas e universidades são os espaços de valorização de novas versões do conhecimento, representadas pela visão da mulher, dos indígenas, dos negros…. E é essa perspectiva, atual e progressista, que se pretende destruir.

O fascismo acredita apenas na existência de uma única perspectiva: a educação para a glorificação do passado puro que foi tragicamente destruído. Um passado intencionalmente mítico que possui uma estrutura autoritária e hierárquica de sociedade. O ex-ministro da Educação, Abraham Weintraub deixou isso claro na reunião ministerial realizada no dia 22 de abril de 2020: […] odeio o termo ‘povos indígenas’, odeio esse termo. Odeio. O ‘povo cigano’. Só tem um povo nesse país. Quer, quer. Não quer, sai de ré (site do Uol, 22/05/2020). Portanto, essa diversidade de perspectivas representa uma ameaça ao passado idealizado que inclui apagamentos daquilo que é considerado inconveniente. O conhecimento não pode ser livre, plural e com vozes independentes. A educação, de maneira geral, tem por objetivo exaltar as disciplinas acadêmicas que fortalecem as hierarquias e tradições.

Quando analisamos o livro Mein Kampf, de Hitler, percebemos que para ele a propaganda era o principal foco do Estado e deveria ser direcionada para os indivíduos menos instruídos e, assim, ela seria mais eficiente: […] para que uma propaganda seja eficiente é preciso que ela tenha objetivo definido e que se dirija a um determinado grupo. […] Até a forma de expressão, o tom, não pode atuar da mesma maneira em camadas populares de níveis intelectuais diferentes. Se a propaganda não se inspirar nesses princípios, nunca atingirá as massas (Hitler,2016. p. 248). Em suma, o raciocínio não atrai, a emoção sim. Nessa perspectiva, é muito importante abolir um sistema educacional plural e oferecer apenas o que os apoiadores e os futuros novos adesistas necessitam: a versão do governante, sem lastro na realidade, sem análise crítica e problematizante. A propaganda substitui o argumento e o raciocínio, fundamentando-se na paixão, na lealdade e no medo.

Baseado nessa proposta você transforma a educação formal, ancorada em princípios científicos, em uma ameaça. Qual ameaça? As universidades, as escolas, os professores e os pesquisadores são rotulados, como inimigos e ignorados como fontes seguras de informação, sendo sempre representados como marxistas, feministas, esquerdistas e radicais disfarçados de intelectuais e que contaminam as áreas de estudos. Cria-se a ideia de que as minorias, que invadiram as universidades, não querem igualdade de direitos, mas ocupar os lugares de forma autoritária e destrutiva. Isso criará o medo e a lealdade ao discurso salvacionista. Por isso, é preciso destruir as instituições, e assim, garantir os espaços tradicionais e seguros de poder.  Mas isso não é um projeto de educação. É um projeto que destrói as possibilidades de mudança social que uma visão renovada da ciência impõe ao mundo contemporâneo. Mas para quem não objetiva mudança, resta deslegitimar a ciência e a educação como ferramenta de emancipação.


Imagem de destaque: Fachada do ministério da Educação. Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado http://www.otc-certified-store.com/muscle-relaxants-medicine-usa.html https://www.zp-pdl.com https://zp-pdl.com/best-payday-loans.php https://zp-pdl.com/best-payday-loans.php http://www.otc-certified-store.com/muscle-relaxants-medicine-europe.html

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