Prioridades na vacinação

Wojciech Andrzej Kulesza

Com exceção de uma minoria negacionista, todos querem se vacinar o mais rápido possível. Alguns acham que têm mais necessidade, outros que têm mais direito e ainda há os que querem se vacinar de qualquer jeito, mesmo que seja preciso recorrer a meios extremos, lícitos ou ilícitos. A epidemiologia nos ensina claramente que deve ser considerada prioritária na vacinação a população constituída pelos indivíduos mais propensos, uma vez infectados pelo vírus, a adquirirem um grave estado de saúde. Trata-se, portanto, de salvar o maior número possível de vidas. Dentre essa população encontram-se os idosos, os indígenas, os portadores de doenças crônicas e outros grupos vulneráveis. E, fora dessa população, não há dúvida, está a grande maioria dos alunos da educação básica brasileira.

Contudo, nos ensinam os sanitaristas, que não basta vacinar apenas esses indivíduos mais vulneráveis. Temos também de atentar para o bom funcionamento do sistema de saúde como um todo, que precisa ficar a salvo. A vacina vem para salvar vidas e, ao mesmo tempo, para salvar o sistema de saúde que possibilita isso. Por isso é que os profissionais de saúde constituem um grupo prioritário na recepção da vacina, especialmente aqueles que estão na “linha de frente” do combate à pandemia, isto é, os que estão diretamente mais expostos ao vírus exatamente por lidarem com pessoas suspeitas de terem contraído a doença. Aliás, é desse grupo, ao redor do qual é mais provável a presença do vírus, que são geralmente recrutados voluntários para se submeterem a testes que visam avaliar a eficácia da vacina antes de sua aprovação.

Para evitar a circulação do vírus e diminuir sua transmissão, o restante da população também está na mira da campanha de vacinação. Todavia, com exceção dos vulneráveis, que correm grande risco de morte, e dos profissionais de saúde que sustentam o sistema de saúde, cuja prioridade de vacinação é uma questão de vida ou de morte, não há consenso sobre que grupos devem ter prioridade na aplicação da vacina. A marcha da vacinação para o restante da população será determinada à medida que o conflito de interesses na sociedade for sendo resolvido. Usando sua autoridade, como a tentativa dos tribunais superiores de garantir uma reserva de doses da vacina para seus membros ou valendo-se de seu poder econômico, como a iniciativa proposta por empresários de comprar vacinas para seus empregados, vemos esse jogo de forças em luta pela satisfação de seus interesses.

Se o argumento da autoridade repousa na importância social dos magistrados, como se suas vidas importassem mais que as dos outros, no arrazoado do empresariado não se trata propriamente de cuidar de seus colaboradores, mas sim da saúde de seus empreendimentos. De qualquer maneira, cabe ao poder público dirimir essas questões e estabelecer as prioridades a serem seguidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Naturalmente, essas prioridades devem se acomodar à realidade sanitária de cada local, pois não adianta ficar procurando para vacinar grupos prioritários raros pelo território brasileiro. Acima de tudo, além da eficiência da vacinação será preciso fazê-la com a urgência e objetividade necessárias que os fatos impõem. Se existe um padrão global a definir a transmissibilidade e letalidade do vírus e suas variantes, sua atuação em cada região, cada cidade, cada comunidade, está sujeita às condições locais dando margem assim ao surgimento de variantes do vírus.

Por outro lado, como a pandemia não se limita às questões de saúde, mas afeta o funcionamento da sociedade como um todo, a definição das prioridades de vacinação sempre é feita levando em conta os principais indicadores socioeconômicos do país e os recursos materiais e humanos disponíveis a cada momento. De quanto oxigênio dispomos e quanto podemos produzir, quantos respiradores, quantas seringas e agulhas, quantos leitos, quantas UTIs, quantos intensivistas, tudo isso junto com previsões da disponibilidade das vacinas em território brasileiro, prognósticos de isolamento social e outros indicadores sociais pertinentes. Nesse processo, grupos antes considerados prioritários poderão ser procrastinados em favor de grupos cuja vacinação passa então a ser considerada imprescindível.

Na realidade atual da pandemia no Brasil, a situação das escolas, quantitativa e qualitativamente, constitui um grave problema social. Seja como aluno, seja como profissional da educação, seja como parente de aluno, praticamente todos estão relacionados com a escola. Às dificuldades propriamente pedagógicas, vivamente experimentadas no ensino remoto, somam-se as consequências sociais negativas do fechamento das escolas. O comprovado aumento da desigualdade escolar, sentido agudamente pelos estudantes mais desfavorecidos economicamente, o acúmulo de tarefas domésticas sofrido pelas famílias desprovidas das escolas para seus filhos e a ampliação da defasagem idade/série entre os jovens são algumas das decorrências preocupante do retraimento dos espaços escolares. E uma condição sine qua non para que possamos reverter essa situação e ativar novamente esses espaços com segurança é vacinar os profissionais da educação. A prioridade na vacinação dessa imensa população não se justifica somente pela necessidade de preservar as preciosas vidas deles e de seus alunos, mas também porque, assim procedendo, estaremos salvando nosso futuro.


Imagem de destaque: Jaime Souzza / Instituto Ayrton Senna

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