Prevenção, diagnóstico e tratamento: a trilogia fundamental no controle das leishmanioses

Rubens Lima do Monte Neto*

Em meio à pandemia da COVID-19 não podemos nos esquecer das doenças que assolam o país, dentre elas as leishmanioses, consideradas pela Organização Mundial da Saúde entre as mais perigosas doenças tropicais negligenciadas, representando um grave problema de saúde pública com franca expansão em regiões urbanas. A Fiocruz lidera várias ações envolvendo a busca por uma vacina segura e eficaz, pesquisas de novos métodos diagnósticos e por novos medicamentos para combater a doença.

O termo “leishmanioses” define um grupo de doenças causadas por parasitos do gênero Leishmania, que são transmitidos por insetos vetores chamados flebotomíneos (também conhecidos como “mosquito palha”, “mosca de areia” ou “asa-dura”) e que se caracterizam pela presença de lesões na pele e mucosas – no caso da leishmaniose tegumentar – ou pode afetar órgãos como fígado, baço e linfonodos quando se trata da leishmaniose visceral. Esta última forma, atinge diretamente células de defesa do organismo e se não tratada pode levar à morte em 90% dos casos. No Brasil, as espécies Leishmania infantum e L. braziliensis são as principais causadoras da leishmaniose visceral e tegumentar, respectivamente.

As leishmanioses estão presentes em todas as regiões do país, embora historicamente concentradas nas regiões norte e nordeste, atualmente as leishmanioses avançam nas regiões centro-oeste, sudeste e sul. Muito em decorrência da mobilidade das pessoas do campo para as cidades, bem como a busca por moradias próximas a regiões de mata, na expectativa de maior qualidade de vida. Nesse sentido, mesmo sendo associadas à falta de saneamento, pobreza e negligência de condições básicas de saúde, as leishmanioses atingem os mais diversos níveis sociais. Destacamos o papel do cão como reservatório dos parasitos que causam a doença e muitas vezes são assintomáticos, considerada a principal fonte de transmissão em meio urbano. Além disso, não podemos esquecer dos desmatamentos e aumento da temperatura global, fatores que interferem diretamente na dinâmica dos insetos vetores.

Durante a pandemia da COVID-19 as leishmanioses passaram a ser ainda mais negligenciadas. Algumas ações, como a execução de exames de diagnóstico, foram descontinuadas durante o ano de 2020. Além disso, a reestruturação da rede pública de hospitais, por motivos óbvios, priorizou o atendimento às vítimas do novo coronavírus, o que impacta diretamente a assistência aos pacientes com leishmaniose que muitas vezes necessitam de internação durante o tratamento. Não há uma vacina segura e eficaz para uso humano contra as leishmanioses, portanto, o controle da doença é realizado com os medicamentos glucantime e anfotericina B.

Mesmo com vários avanços tecnológicos no desenvolvimento de vacinas contra as leishmanioses, como as vacinas recombinantes ou as vacinas de DNA, ainda não encontramos uma saída para a prevenção vacinal dessas doenças. Isso levou cientistas a revisitarem as vacinas de 1ª geração – que utilizam uma Leishmania viva, mas atenuada, ou seja, incapaz de gerar a doença – como estratégia vacinal. Inspirados nesses trabalhos, o nosso grupo no Instituto René Rachou selecionou uma cepa de L. infantum atenuada por meio da remoção de um gene essencial para a replicação do parasito. O gene codifica para uma proteína chamada kharon1 que é importante no processo de divisão celular. Ou seja, a Leishmania é capaz de infectar o hospedeiro, ativa a resposta imune do mesmo e depois morre por não ser capaz de sustentar a infecção (SANTI et al., 2018). A remoção proposital ou deleção desse gene se deu graças a um sistema conhecido como CRISPR/Cas9, no qual é possível promover a manipulação do genoma desses parasitos. De tão revolucionária, as autoras que descobriram essa técnica, Jennifer A. Doudna e Emmanuelle Charpentier, receberam o prêmio Nobel de química em 2020.

Além do desenvolvimento de vacinas, nosso grupo se dedica a adaptação de testes moleculares para o diagnóstico preciso de parasitos Leishmania sendo capazes de identificar de forma rápida até o nível de espécies. Uma informação relevante para levantamentos epidemiológicos na relação entre manifestações clínicas e as espécies envolvidas. Nesse sentido, em parceria com a empresa Visuri, nós desenvolvemos o OmniLAMP (www.omnilamp.com.br) um dispositivo portátil capaz de identificar de forma rápida e automatizada, o material genético de diferentes patógenos incluindo parasitos Leishmania e mesmo o novo coronavírus. A pesquisa resultou na solicitação de patente do dispositivo (pedido n: BR1020200166620). O diagnóstico preciso é o 1º passo para direcionar o paciente ao tratamento adequado. Nesse sentido, nosso grupo também estudaa descoberta de novos medicamentos (SOUZA SILVA et al., 2021) e os mecanismos de ação e resistência de fármacos com ação antileishmania(RUGANI et al., 2019).

Referências

RUGANI, J. N. et al. Antimony resistance in Leishmania (Viannia) braziliensis clinical isolates from atypical lesions associates with increased ARM56/ARM58 transcripts and reduced drug uptake. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 114, 15 ago. 2019.

SANTI, A. M. M. et al. Growth arrested live-attenuated Leishmania infantum KHARON1 null mutants display cytokinesis defect and protective immunity in mice. Scientific Reports, v. 8, n. 1, p. 11627, 2 ago. 2018.

SOUZA SILVA, J. A. et al. Unveiling six potent and highly selective antileishmanial agents via the open source compound collection ‘Pathogen Box’ against antimony-sensitive and -resistant Leishmania braziliensis. Biomedicine & Pharmacotherapy, v. 133, p. 111049, 1 jan. 2021.

* Pesquisador em saúde publica do Instituto René Rachou – Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz Minas onde coordena pesquisas envolvendo principalmente a busca por alternativas para o tratamento, diagnóstico e vacina contra as leishmanioses. Rubens nasceu na Paraíba, onde se graduou em Ciências Biológicas e realizou mestrado em Farmacologia; mesma área que obteve seu doutorado pela UFMG. Realizou estágio pós-doutoral em Biologia Celular e Molecular no Centro de Pesquisas em Infectologia da UniversitéLaval, Quebec, Canadá. Foi pesquisador visitante na Faculdade de Veterinária – Université de Montréal, Saint-Hyacinthe, Canadá, onde mantém colaboração. É professor permanente do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde do Instituto René Rachou, onde orienta aluno(a)s nos níveis de Mestrado e Doutorado. Rubens é bolsista de produtividade do CNPq, já publicou mais de 30 artigos científicos; é autor de 5 capítulos de livros; revisor de 34 periódicos internacionais e editor de 2 jornais internacionais; é inventor em três solicitações de patentes junto ao INPI e coordena atualmente quatro projetos de pesquisa financiados.Desde 2019 tem investido em programas de empreendedorismo, liderando projetos que se destacaram em programas como: InovaLabs (Biominas Brasil e Fiocruz); Programa Inova, produtos inovadores (Fiocruz); Centelha/MG (MCTI/Finep/Fapemig); Lemonade16 (Fundep/UFMG) e Programa de Desenvolvimento de Negócios (Biotechtown).

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.


Imagem de destaque: Markus Spiske / Unsplash

 

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