Possibilidades e desafios do trabalho da Educação das Relações Étnico-Raciais na EJA

Natalino Neves da Silva*

O trabalho da Educação das Relações Étnico-Raciais (ERER) na Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem sido norteado pelas ações educativas que são, ao mesmo tempo, individual e coletiva, colaborativa e compartilhada. A participação de diversos agentes educativos (docentes, discentes, gestores, funcionários, familiares, movimentos sociais, secretarias, ONGs etc.) é fundamental para garantir a efetividade dessas ações.

O investimento pessoal e profissional de uma formação voltada para a promoção da equidade racial constitui, para cada um de nós, possibilidades e desafios. É bom lembrar que o racismo se realiza na vida das pessoas de maneira ambígua, dissimulada e, na maior parte das vezes, silencioso.

Assim sendo, quais são os sentidos que norteiam o trabalho da ERER? De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana , o trabalho da ERER tem por objetivo:

[…] a divulgação e produção de conhecimentos, bem como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, na busca da consolidação da democracia brasileira. (BRASIL, 2004, p.3)

A ERER está prevista na Lei nº 10.639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBEN 9.394/96), artigo 26-A, e trata da obrigatoriedade do ensino de História e Cultura afro-brasileira no currículo oficial, em escolas públicas e privadas, sendo posteriormente incluído o ensino de História e Cultura da população indígena, regulamentada pela Lei nº 11.645/08 (BRASIL, 2008).

Entender a efetivação do direito à EJA significa, portanto, entre outras coisas, tomar conhecimento da realidade de jovens, adultos(as) e idosos(as), na sua maioria negros(as), que vivem cotidianamente processos de desigualdades sociorraciais. Abordar temas sociais, como racismo, discriminação e preconceito racial, nesse contexto, se relaciona com a necessidade de superar desafios e, consequentemente, com a capacidade de construir possibilidades.

Um dos principais desafios está relacionado à alienação racial. Esse tipo de alienação é produzida-reproduzida por meio de sistemas econômicos, jurídicos, políticos, ideológicos, institucionais, entre outros, de maneira a permitir que a percepção social das desigualdades seja naturalizada. Essa naturalização dificulta o processo de constituição social de uma consciência crítica-política-reflexiva antirracista.

Em relação a isso, imaginemos a seguinte situação: em uma escola, na turma X, estava previsto para aquele dia tratar a valorização da diversidade étnico-racial. Pela reação da turma, é possível verificar a receptividade ou não ao tema. Uma das preocupações iniciais é atingir um público diverso. Provavelmente, cada um desses sujeitos já vivenciou uma experiência em relação ao assunto abordado. Assim sendo, como será a sua recepção? Nesse momento, passa pela nossa cabeça que o público juvenil estará mais disposto a “trocar uma ideia”. Porém, o que se constata é a baixa motivação durante a discussão. Alguns adultos e adultas, em sinal de respeito, prestam atenção, porém não desejam aprofundá-la. Já os(as) idosos(as) recorrem à memória e de lá são extraídos relatos de humilhação, que dizem respeito a relações assimétricas ocorridas, sobretudo, no trabalho com os seus antigos patrões.

Essa situação-problema revela que práticas políticas e pedagógicas voltadas para a educação das relações étnico-raciais atingem processos de subjetivação de educador(a) e educando(a). E, nesse sentido, cada um de nós reage a elas de distinta maneira. Ter essa compreensão é fundamental na realização desse trabalho.

Desse modo, as possibilidades de abordar a ERER na EJA são inúmeras. E a sua concretização exige estudo, pesquisa e afetos. Elas carregam consigo o ideário de consolidar verdadeiramente uma sociedade democrática, na qual a sua humanidade não seja avaliada com base na cor da pele, na classe social, no local de origem, na orientação sexual dos sujeitos.

As possibilidades desse trabalho suscita, antes de tudo, cartografar potencialidades, no sentido de mapear agenciamentos sociopolíticos realizados pelos próprios sujeitos em distintos territórios, por meio de práticas sociais que coadunam com a luta antirracista, anticapitalista, antissexista, antiLGBTfóbica, entre outros.

*Professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais.


Imagem de destaque: Joel Vargas / PMPA

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