Por que, alegremente, a EJA comemora o centenário de Paulo Freire?

Adelson França Júnior¹

No dia 19 de setembro de 1921 nascia um ser, com grande consciência de “Ser Mais”, que se transformou em referência para a Educação Mundial, a ponto de se tornar, pela Lei nº 12.612, de 13 de abril de 2012, patrono da Educação Brasileira. No próximo domingo é fundamental rendermos homenagens a este sujeito fundamental, especialmente para Educação de Jovens e Adultos.

Mas por que a EJA comemora com tanto entusiasmo, o nascimento de Paulo Freire? Responder essa pergunta é ao mesmo tempo fácil e difícil. Fácil, por que as contribuições teórico-metodológicas freirianas são extremamente revolucionárias e muito adequadas à EJA. Difícil pelo fato de que suas reflexões mobilizam inúmeras análises sobre todos os pontos nevrálgicos do processo educativo como a pedagogia, a didática, as metodologias, a avaliação e também a gestão e as políticas públicas educacionais. Trarei aqui, relacionando com as palavras dele, 10 motivos para nossa alegria.

O primeiro fato fundamental para justificar nossa alacridade é reconhecer que, apesar de estarmos comemorando o aniversário de uma pessoa, simbolicamente estamos comemorando uma perspectiva coletiva de trabalho. Sujeito e coletividade se relacionam de maneira dialética. “Os homens, pelo contrário, porque são consciência de si e, assim, consciência do mundo, porque são um “corpo consciente”, vivem uma relação dialética entre os condicionamentos e sua liberdade” (FREIRE, 2002).

O segundo motivo de nosso júbilo é que a concepção de educação trazida por ele alimenta nossa esperança. E a palavra concepção não é aleatória. Trata-se da origem a partir da qual todas as outras coisas se constroem. A concepção de uma educação libertadora conduz, coerentemente, todo o processo da educação libertadora. “[…] A esperança precisa da prática para tornar-se concretude histórica. É por isso que não há esperança na pura espera, nem tampouco se alcança o que se espera na espera pura, que vira, assim, espera vã” (FREIRE, 1992). 

A terceira justificativa para nossa exultação é a centralidade dada aos sujeitos no processo educativo libertador. A importância do reconhecimento de que se trata de sujeitos oprimidos, especialmente, na EJA, mas que essa definição não é a integralidade deles/as. Ao contrário, representa apenas uma característica circunstancial, e como tal, passível de ultrapassagem. “Os oprimidos, nos vários momentos de sua libertação, precisam reconhecer-se como homens, na sua vocação ontológica e histórica de Ser Mais” (FREIRE, 1987). 

O quarto alumbramento se assenta na importância da consciência da prática contextualizada, que mostra que “a ação cultural, ou está, a serviço da dominação – consciente ou inconscientemente por parte de seus agentes – ou está a serviço da libertação dos homens” (FREIRE, 1987). 

A quinta causa de nosso gáudio aparece ao percebermos que educação é processual e que a consciência do processo é central. Educação não é resultado. Educação é caminhada, paradoxal e intencional. “Há algo, porém, a considerar nesta descoberta, que está diretamente ligado à pedagogia libertadora. É que, quase sempre, num primeiro momento deste descobrimento, os oprimidos, em lugar de buscar a libertação, na luta e por ela, tendem a ser opressores também, ou subopressores” (FREIRE, 1987). 

O sexto fundamento de nosso goivo é a aprendizagem de transformar a consciência da injustiça em luta. “Aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam” (FREIRE, 1987). 

Nosso sétimo regozijo vem do reconhecimento da importância da educação e consequentemente da nossa função como educadores/as. “Se a educação sozinha, não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.” (FREIRE, 2000). 

A oitava razão de nosso deleite é o alento que vem da amplificação da possibilidade da colheita justa. “Um dos saberes primeiros, indispensáveis […] é o saber do futuro como problema e não como inexorabilidade. É o saber da História como possibilidade e não como determinação. O mundo não é. O mundo está sendo” (FREIRE, 2002). 

Nosso nono porquê aprazível nasce da percepção de que outros porquês são passíveis de serem perguntados e podem trazer respostas muito melhores do que as que já temos. “Por que não estabelecer uma necessária ‘intimidade’ entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?” (FREIRE, 2002). 

E o décimo motivo de nossa alegria é a própria alegria de ensinar e aprender. Afinal, “a alegria não chega apenas no encontro do achado mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria” (FREIRE, 2002). 

A EJA, mormente, agradece! Paulo Freire presente!

 

1 – Educador da EJA na PBH e professor na UEMG-Ibirité. Pedagogo e Mestre em Educação. 

 

Para saber mais:

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Paz e Terra, 17 edição. São Paulo, 1987.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *