Populações quilombolas e indígenas: Empreendedorismo e a exploração da vida

Tiago Tristão Artero

A crise da vida moderna e dos meios de produção que a sustentam e a forjam são estruturais. Não é à toa que falam que a pobreza, o racismo e o patriarcado são estruturais, pois os modos de opressão dão forma à mercantilização da vida.

O economista irlandês Richard Cantillon, em 1725, trouxe a palavra empreendedorismo como sendo algo realizado por alguém que assumiria riscos. Para tanto, precisaria de um capitalista que financiasse o empreendimento, a ideia, a empreitada e outras pessoas para trabalharem.

Numa crise estrutural de um mundo que sofre com a hegemonia do sistema financeiro, com países que se impõem como imperialistas (subjugando outros) e da crescente repressão a alternativas que subvertem essa hegemonia, a palavra EMPREENDEDORISMO encontra terreno fértil para ser implantada na mente em sonhos com uma vida mais digna, mais autonomia e liberdade.

É cilada. Junto com esta palavra “empreendedorismo” ocultou-se a figura de alguém que vai investir num negócio e o próprio indivíduo assume todos os perigos. O discurso é que um micro negócio que não deu certo foi fruto da ação de um(a) empresário(a) que não foi flexível o suficiente, resiliente, qualificado. Diz-se que o sucesso ou insucesso econômico advém da falta de vocação ou de visão, ou seja, de habilidades e competências, de questões individuais desvinculadas do contexto.

É uma ideologia da uberização, da pejotização, da qualificação, naturalizante, alheia ao contexto do capitalismo e da ação de grandes corporações. A principal característica do empreendedor na origem do termo estava na boa ideia, mas agora seu significado alinhou-se à lógica do capital e, mesmo sem perceber, o “empreendedor” atual imagina ser ele o próprio patrão, sem entender o quanto atua como um empregado totalmente subjugado às grandes empresas que utilizam-se de seus serviços numa manobra para não arcar com direitos trabalhistas, potencializando a exploração do trabalho e os lucros.

O empreendedorismo também encaixa-se numa possível solução para o desemprego estrutural, maquiando atividades que, antes, eram consideradas como de ambulantes ou eram executadas pelos grupos mais mal remunerados (que, ao menos, tinham mais direitos). Sem romantizar jargões de que “antes era melhor”, aqui se faz necessário perceber que o lindo discurso da pejotização, talvez, seja bom para jornalistas famosas(os) que podem ser contadas nos dedos de uma mão.

As novas e novos empresárias(os) assumem riscos maiores e jornadas de trabalhos crescentes, vendendo seus serviços aos capitalistas que, em número cada vez menor, possuem fortunas cada vez maiores. Ideologicamente não pensam que são da classe trabalhadora, mas, estruturalmente, são. Só que, com o empreendedorismo, atuam sem direitos, sofrendo expropriação e subordinação ao capital.

Seguro desemprego, seguro em caso de acidente ou doença, aposentadoria, tudo isso já foi e está sendo, cada vez mais, privatizado. Não haverá!

No caso dos povos indígenas, condicionando o ritmo do campo e dos que estão integrados à floresta ao ritmo e pressões da vida moderna na área urbana, ao ritmo da mercantilização da vida.

Por que no caso dos mais de 300 povos indígenas e das/dos quilombolas isso é ainda mais grave?

Primeiramente, diversas religiões que promovem invasão cultural (anulando/combatendo as culturas originais manifestadas nos territórios ancestrais) estão cada vez mais alinhadas ao discurso de resiliência e empreendedorismo.

Estas ideias promovem uma pressão nos povos da floresta, do campo e das águas ao ritmo da área urbana, deixando em segundo plano as formas coletivas de organização e da soberania alimentar mantida no decorrer dos séculos e, bruscamente, destruída (processo ainda em curso) com o ataque aos territórios.

Sofrem as culturas, sofrem os povos. Territórios antes preservados são explorados e lideranças são ameaçadas e/ou cooptadas para atender aos interesses e ritmo de uma vida moderna insustentável socialmente e planetariamente.

Deixem os povos das águas, das florestas e do campo fora disso. Seus territórios (ancestrais) mantém suas culturas e os Direitos da Mãe Terra (portanto, permitem a continuidade da vida humana neste planeta). No entanto, devido à exploração, hoje potencializada pelo discurso de empreendedorismo, estão cada vez mais subjugados à lógica do capital e do modo de vida moderno.

Da forma como ocorre, o extrativismo, o turismo, as indústrias, o empreendedorismo, todos estes elementos promovidos pelo sistema de ideologia empresarial em que vivemos, produzem destruição. Um holocausto constante. É necessário pensar em modelos de transição rumo a mecanismos de valorização de todas as formas de vida.

É preciso advogar pelo equilíbrio, pela diversidade, pela agroecologia, por uma economia dos cuidados, onde as comunidades em seus territórios não precisem atuar “no ritmo” da área urbana, nem “para atender” a sangria do modelo hegemônico.


Imagem de destaque: Luis Prado / the Noun Project

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *