Pelas tipografias e seus papeis: a independência nos impressos da Parahyba do Norte

Aline de Morais Limeira

O mercado impresso na província da Parahyba do Norte no século XIX muito se assemelhou com o das demais regiões brasileiras e capital, a Corte Imperial, em suas principais características: variedade de conteúdo (anúncios, notícias, artigos, debates políticos, ensaios…), diversidade de formas (jornais, revistas, almanaques, folhetos, opúsculos…), circulação efêmera ou continuada (impressos com única edição e outros com décadas), diversidade de preços (caros e baratíssimos), espaços de produção (tipografias públicas e privadas), formato (única ou muitas páginas, papéis tamanhos e preços variados), constituição de redes de sociabilidades (editores, autores, tipógrafos, tradutores, homens e mulheres que circulavam em muitos espaços diferentes atrelados aos impressos).

Da mesma forma, foi muito semelhante a presença constante do assunto “Independência do Brasil” em seus materiais ao longo do século XIX e XX, além de muitas recorrências em torno de temas como pátria, nação e brasileiros. Afinal, tais expressões estavam muito relacionadas ao projeto político de construção e consolidação do “novo país”, o recém nascido a partir da sua emancipação com a metrópole portuguesa (O Estado da Parahyba, 1891, Edição 182, p.1). Em recentes estudos localizei mais de 120 impressos que circularam entre a década de 1820 e 1920 na Parahyba do Norte. Naqueles 20 que estavam disponíveis para consulta (Hemeroteca da Biblioteca Nacional), houve mais de mil ocorrências ao episódio do sete de setembro.  Ou seja, editores, escritores e tipógrafos, uma rede ampla de operários da palavra escrita, homens e mulheres, fizeram circular um conjunto amplo, significativo e diverso de ideias, representações, notícias e narrativas, laudatórias, revisionistas ou críticas, acerca do sete de setembro. Falaram de heróis, aqueles já conhecidos como José Bonifácio, mas também de outros personagens, chamados de “veteranos da independência”, geralmente militares, que criaram inclusive uma sociedade de mesmo nome (O Publicador, 1865, Edição 884, p.1); das lutas pela consolidação do processo de independência ao longo do Oitocentos (A União, 1899, Edição 1585, p.1); do conterrâneo Pedro Américo e sua arte representando a Parahyba e a Independencia (Gazeta do Sertão, 1888, Edição 007, p.2); das independências mundiais, Bulgária, Chile, Albânia, Venezuela, Haiti, Cuba, Filipinas, Ucrânia, Estados Unidos, Síria, Argentina… (Diário da Parahyba, 1885, Edição 005, p.1); das incompletudes da emancipação, ao denunciar a escravidão (Arauto Parahybano, 1888, Edição 018, p.1); da República como continuidade linear do episódio de 1822 (Jornal da Parahyba, 1889, Edição 2763, p.1). 

Entre tantos outros assuntos, falou-se também das celebrações, aniversários e efemérides. Tão importante quanto as disputas pelas melhores e mais verdadeiras narrativas acerca da maioridade brasileira eram as narrativas acerca das festas, seja para enaltecê-las ou denegri-las. Na Parahyba do Norte, como em outras províncias, ocorreram muitas comemorações públicas (festas nas ruas, desfiles cívicos, fogos, iluminação, exposições, bandas de música, hino da independência) ou privadas (peças de teatro, apresentações escolares) nos séculos XIX e XX. Uma delas, entretanto, teve maior proporção, o centenário.

Em edição especial de 14 de setembro, o jornal O Governista Parahybano anunciava em sua capa a 29º comemoração do grito do Ipiranga, que contou com a pomposa participação de alguns representantes da sociedade.

Conforme anunciado, a festa aconteceu ao longo do dia e durante a noite: “Ao romper d’aurora uma salva d’ artilharia […] As onze e meia horas da manhã formarão no largo de S. Bento duas legiões da Guarda Nacional com o Corpo de Política e duas peças de campanha desfilando […] teve lugar o cortejo do estilo à Augusta Efigie de S. M. o Imperador ao qual assistirão officiais de outros Corpos, diversas autoridades, prelados e pessoas gradas da Província […] a noite houve um explendido baile oferrecido aos Parahybanos […] começou o acto pelo Hyno da Independencia cantado por algumas senhoras” (O Governista Parahybano, 1850, Edição 019, p.1, grifos meus). 

O jornal pretendeu destacar positivamente toda a celebração e, para isso, um dos recursos utilizados foi o destaque a presença dos “Parahybanos”, mas não quaisquer uns, não a gente trabalhadora, escrava, pobre, mas a “grada” elite econômica, militar e política da província e capital.  

O Reformista lançara um artigo com narrativa bastante crítica, assinado pela “criolinha” de nome Felippa. Publicado na seção “Correspondência”, que aparecia com certa recorrência nas suas edições, o texto continha um tom bastante ácido acerca das festividades que ocorreram em comemoração ao aniversário da emancipação naquele mês de setembro na capital da Parahyba do Norte: “não posso também deixar de fazer ao mundo inteiro o espalhafato militar que houve nesse dia memorável na Cidade da Parahyba do Norte […] fiz parte da grande parada com minha cruz na mão, que tanto abrilhantou a pompoza marcha da Guarda Nacional […] quem precisasse de óculos diria que houve uma luzida e nunca vista parada na Parahyba! […] Pela impressão destas linhas muito lhe agradecerá a sua humilde criolinha. Felippa (O Reformista, 24 de setembro, 1849, Edição 007, p.4). Como se vê, o jornal se dispôs a fazer circular essa nota que pretendia minimizar o papel educativo das festividades de rua e a pouca adesão popular, destacando a quantidade ínfima de pessoas e militares no desfile cívico.

Entre elogiosas ou provocativas palavras, oficiais ou revisionistas narrativas, fato é que a Independência circulou como tema de inúmeros e diversificados papéis impressos pela Parahyba do Norte e pelo Brasil. Todo esse conjunto de ideias fazia parte do esforço comum em prol da própria construção do referido acontecimento, da sua consolidação em meio à instabilidade política, da sua lembrança, da busca pela educação das memórias.

 

Sobre a autora

Professora do Centro de Educação da Universidade Federal da Paraíba. Especialista em História da Educação.


Imagem de destaque: O Governista Parahybano, 14 de setembro de 1850, Edição 019, p.1.

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