Para não dizer que não falei das flores

Valter Machado da Fonseca

O título da música do Vandré nunca esteve tão atual. Hoje amanheci inspirado a lançar ao ar meus desabafos, empurrado pelas aberrações que marcam os tempos d’agora. Existe uma enorme tristeza pairando sobre o Brasil e o conjunto dos povos que compõem este planeta. Existe uma amargura, uma indelicadeza e uma ameaça constante e sutil que pairam sobre o conjunto dos povos oprimidos e marginalizados.

Existe um punhado de homens que a todos julgam e por ninguém podem ser julgados, pairam sobre o conjunto da humanidade, intocáveis e inatingíveis. E o pior de tudo é que tem gente que não gosta de flores, preferem os espinhos, a secura e a terra estéril. O pior é que tem muita gente que abomina o perfume, os aromas e os sabores característicos das flores. Existem muitos que preferem os dissabores, que admiram o mau cheiro que vem das mentes poluídas, gente que prefere os horrores. 

A terra anda cabisbaixa, triste, deprimida com a violência sutil, dissimulada, camuflada de democracia. A energia que mantém a harmonia e o equilíbrio entre os corpos celestes não consegue assimilar este “circo de horrores”. Gaia está em desequilíbrio, está em prantos, chora diante dos horrores. O abismo social monstruoso que separa os homens se aprofunda e deixa em carne viva as feridas do preconceito e da discriminação. A humanidade retrocede de forma nunca vista diante das aberrações humanas e da própria relação do homem com seu próprio planeta e com sua própria espécie.

As flores estão murchas, desbotadas pela presença da maldade e insanidade humanas. O solo vai ficando estéril, acinzentado, fruto da insensatez das ações humanas sobre a natureza. Ele é regado pelo sangue vivo dos inocentes, da classe trabalhadora: do feminicídio, do genocídio indígena, do extermínio de comunidades LGBTQIA+, da população preta da periferia pobre das grandes e médias cidades do nosso Brasil e da grande maioria explorada e marginalizada deste mundo enlouquecido pela ganância humana. 

Porém, a história já demonstrou que é mais forte que os aparatos e aparelhos de tortura e de extermínio. Este solo irá, com toda certeza, se recompor. As flores irão, com a mesma certeza, voltar a exalar seu perfume, sua exuberância, sua delicadeza. O “circo de horrores” jamais vencerá o “círculo dos amores”. E, nesse dia, a maldade e a perversidade serão varridas, banidas do solo deste planeta. Como muito bem o diz Pablo Neruda, “Podem pisar todas as flores, porém, jamais deterão a primavera“. 

Porém, este solo ressecado pelo ódio, pela ausência das flores, pela ausência dos amores, fragrâncias e sabores; este solo desertificado pela ganância e a prepotência humana, dos ditadores, dos fascistas, este mesmo solo regado pelo sangue dos inocentes haverá de se cobrir totalmente de amores, da contagiante energia daqueles que lutaram todas as vidas possíveis em busca da essência das flores. E, sobre este mesmo solo, será lançado o húmus indestrutível que trará de volta os aromas e os perfumes das flores. É questão de tempo! A história irá mostrar a triunfal vitória do amor contra o ódio, da vida contra a morte, da libertação contra a espoliação e a ganância. 

O sangue dos inocentes que rega os solos da Terra dará origem aos girassóis, gigantes, exuberantes e que porão fim à maldade e ganância da espécie humana. E, nesse dia falaremos abertamente aos nossos descendentes sobre o brilho das lágrimas, o gosto adocicado do suor dos (as) lutadores (as) e a pureza do sangue dos inocentes que deram origem às flores, seus aromas e sabores. E quando chegar o exuberante girassol, já não haverá mais lugar para os opressores, pois, eles não sobrevivem à presença do aroma, da beleza e do perfume das flores. E nesse dia ergueremos nossos punhos, marcharemos ombreados e derrotaremos de forma definitiva todas as formas de exploração. Como diz nosso querido Chico Buarque, ‘apesar de você amanhã há de ser outro dia, inda pago pra ver o jardim florescer qual você não queria. E aí veremos “água nova brotando e a gente se amando sem parar”


Imagem de destaque: Fuzzy Guerdes

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