Ecologia do brincar

Marcelo Silva de Souza Ribeiro1

É inconteste a importância do brincar para o saudável desenvolvimento humano e este reconhecimento vem ganhando espaço nas políticas públicas. A despeito dessa positiva visibilidade, inúmeros desafios são postos, inclusive com possíveis retrocessos à medida que há carências de espaços públicos que garantam a vivência digna de brincadeiras, como praças, parques, áreas de lazer e ruas (há que defender o direito da criança viver a sua rua e a sua calçada com segurança e bem-estar). 

Além da falta desses espaços nota-se, lamentavelmente, a redução de tempos livres para o brincar em escolas, sobretudo aquelas que vivenciam as pressões dos rankings e as lógicas de mercado. Com isso, busca-se efetivar a performance escolar e uma das consequências é que crianças e adolescentes passam a ter menos tempo livre para brincar.

Um conjunto de estudos tem demonstrado que, a despeito dessas pressões que reduzem o tempo livre do brincar/jogar ou ainda a supressão de espaços públicos, as crianças e adolescentes vivem uma demasiada exposição nos ambientes virtuais, incluindo aí os games e as redes sociais digitais (porque também podem ser espaços de brincadeiras). 

Para além das discussões científicas que defendem ou criticam os desdobramentos dessa exposição de crianças e adolescentes nos ambientes virtuais, o que se depreende é que a experiência do brincar está sob uma crise, aqui entendida numa perspectiva da ecologia do brincar.

A ideia desse termo é que, considerando a importância do brincar para o humano (e para demais animais), há que se garantir contextos de desenvolvimento com possibilidades diferentes brincadeiras, de modo que cada tipo de brincadeira atenderia a necessidades específicas. Há brincadeiras (e jogos) relacionadas aos aspectos motores, outras que incidem em habilidades sociais, emocionais… Nesse ecossistema, digamos assim, os games e as experiências nas redes sociais digitais tem sua relevância e podem garantir um equilíbrio ecológico no mundo contemporâneo porque este é mediado, sobretudo, por tecnologias digitais.

A partir do entendimento da ecologia do brincar, o game e as redes sociais digitais não seriam problemas em si, mas justamente o desequilíbrio das possibilidades de brincar, ou melhor, o empobrecimento da diversidade do brincar por conta das extinções de possibilidades (não poder brincar em espaços públicos, por exemplo) e as pressões de vieses mercadológicos que extirpam os espaços livres nos contextos escolares. 

A ecologia do brincar possibilita compreender fenômenos do tipo extinção, superexposição, pressões externas (do mercado), entre outros, como desencadeadores de desequilíbrios afetando diretamente o desenvolvimento humano.

 

1 – Doutor em Educação. Professor do Colegiado de Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf). E-mail: marcelo.ribeiro@univasf.edu.br


Imagem de destaque: Cade Martin, Dawn Arlotta, USCDCP

 

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