Outras alternativas escolares: a Bahia em pauta

Jucimar Cerqueira dos Santos*

O bicentenário da Independência do Brasil é inspirador para pensar sobre o país que foi se construindo a partir de 1822. A educação escolar é um de seus principais componentes ao longo desses anos. Ela está fortemente conectada a essa construção nacional, tanto assim, que após o famigerado “grito do Ipiranga” e das últimas batalhas de consolidação dessa independência no Piauí e na Bahia, houve o decreto imperial de 1827 normatizando-a. Uma das questões a se fazer diante desse contexto está ligada às realidades educacionais de tantas províncias. Como eram? A escolhida dessa vez é a Bahia. Nela, a educação escolar apresentou também possibilidades a partir dos esforços de seus professores e das pessoas que lá estudavam. Focaremos, aqui, nessas possibilidades.

A Bahia passou a seguir os artigos do decreto de 1827 ainda nos ecos das batalhas, em 2 de julho 1823, as quais a marcam pela consolidação do processo de Independência do país. Nesse tempo, ainda predominavam as aulas régias determinadas pela coroa portuguesa com bases na religião católica e que não atendiam à maioria de sua população. Salvador e algumas cidades do Recôncavo eram polos econômicos de destaque e com um crescimento demográfico considerável, reformas em ruas, a implantação de novos meios de transporte, crescimento no abastecimento de água, iluminação, habitação e no combate a epidemias. Afinal, “modernidade”, “progresso” e “civilização” eram objetivos muito pautados na época.

A educação escolar estava no bojo desses objetivos. Sendo assim, existiram medidas governamentais muito conhecidas para alcançá-los, mesmo antes de 1822, como a criação da Escola de Cirurgia da Bahia, criada em 1808, ainda no tempo de D. João IV, que depois passou a ser a Escola de Medicina da Bahia; a Escola Normal, para formação de professores e de professoras na década de 1830; as escolas primárias públicas e particulares, e o Liceu Provincial, que depois passou a ser chamado de Ginásio da Bahia, para a formação do ensino secundário, equivalente ao que hoje é Ensino Médio, nível de formação pouco recorrente naquele período.

Houve outras formas escolares, não estritamente determinadas pelos decretos governamentais, mas por grupos sociais que nem sempre estiveram entre os membros das elites. Entre essas escolas, existiram as noturnas para trabalhadores, que começaram a ser criadas em várias províncias por volta da década de 1870. Houve, também, as aulas em associações que tinham como um dos objetivos a aprendizagem das primeiras letras e de algum ofício, como o Liceu de Artes e ofícios da Bahia , O Centro Operário da Bahia, a Sociedade Protetora dos Desvalidos, a Sociedade Treze de Maio, para ingênuos e libertos; as escolas agrícolas, principalmente a de São Bento das Lages, e as colônias correcionais agrícolas, voltadas para pessoas consideradas vadias. Todas com o objetivo de alfabetizar e formar o que muito chamava-se de “trabalhadores nacionais” quando do declínio da escravidão. Ou seja, escolas estabelecidas com “ares” de consequência também da manutenção de hierarquias sociais e raciais que não garantiram que a maioria da população fosse contemplada com a alfabetização.

Com a República, fundada após o tardio decreto de abolição da escravidão, não houve, necessariamente, uma “virada de página” na estrutura elitista e patrimonialista das oportunidades de educação escolar. Continuou a empreitada de combate ao analfabetismo encampado a partir do Censo de 1872, que evidenciou, segundo Ruy Barbosa, que o Brasil tratava- se de um país de analfabetos devido à taxa de 82,3%, na Bahia, aproximadamente 79%.

O analfabetismo entrou no século seguinte (XX) provocando outras medidas de escolarização para combatê-lo na Bahia, como a Liga Baiana contra o analfabetismo, liderada pelo Major Cosme de Farias; a escola do Abrigo do Povo, em Salvador, as aulas noturnas criadas pelo Frente Negra Brasileira na Bahia, entre 1932 a 1934, e o tão conhecido projeto Escola Parque, assinado por Anísio Teixeira, o qual propunha um modelo de escola em dois turnos a partir da década de 1950, em que o primeiro turno visava ensinar as matérias “regulares” e o segundo, cursos profissionalizantes.

Desta forma, sendo republicano e democrático, seria esperado que a maioria que compõe esse país fosse contemplada com educação escolar pública e de qualidade. Expressão que, de tão exigida, parece um jargão repetitivo em promessas eleitorais e eleitoreiras, mas também reivindicada de forma efetiva, concreta e realizada por grupos sociais que atentam para materializá-la, de maneira eficaz, como no início do século XXI, através de investimentos na criação de mais universidades federais em todo o país, o incentivo em ingresso em universidades privadas e a criação de Instituto Federais para atender a demanda da educação básica.

Portanto, esse bicentenário apresenta construções educacionais a partir de discussões, tensões, avanços e retrocessos, que, se por uma lado evidenciaram problemas e ausências graves de dimensões amplas, por outro, mostraram estratégias elaboradas também por sujeitos das “camadas populares” para alcançarem formações que possibilitassem-nos outras condições de vida, diferente da realidade de extrema subalternidade. Esses séculos propõem reflexões sobre a demanda de oportunidades educacionais e que atendam às especificidades regionais e estaduais de um país complexo por sua ampla extensão territorial e pelas latentes desigualdades de raça, classe e gênero que possui.

*Doutorando em História Social pela UFBA.


Imagem em destaque: BAHIA ILLUSTRADA (RJ). Homenagem dos alunos do Grupo Escolar Rio Branco ao seu mestre Cincinato Franca. Página 60, maio de 1919.

 

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