O trabalho educativo e os profissionais da educação

Edilson da Silva Cruz

A pauta da formação, valorização e remuneração dos profissionais da educação faz parte das lutas sociais há muitas décadas. Desde o surgimento da escola no país, há pouco mais de 100 anos, o Estado define a estrutura legal que enquadra profissionalmente quem trabalha nas funções de ensino, ora denominados “profissionais da educação”, ora “trabalhadores em educação”, na LDB (Lei 9.394/96). Designações que deixam claro o mais importante: trata-se de trabalhadores, ou seja, classe-que-vive-do-trabalho, na definição de Antunes (2009). As implicações disso nos levam a conceituar a natureza do trabalho educativo e refletir sobre o modo como a própria lei protege quem educa em instituições oficiais. 

Marx afirma que “só é produtivo aquele trabalho – e só é trabalhador produtivo aquele que emprega a força de trabalho – que diretamente produza mais-valia” (MARX 2013, p. 125). Nessa lógica, é improdutivo todo trabalho que não contribua diretamente para ampliar o capital. Atividades ligadas ao setor de serviços, por exemplo, seriam, em geral, improdutivas: sua efetividade e consumo não se dão para ampliar o capital, mas para satisfazer desejos de uso e consumo. 

O ensino, como serviço prestado à sociedade e cujo valor é seu consumo direto, se enquadra como trabalho improdutivo. No entanto, um professor, ao ministrar aulas em uma escola privada produz, com seu trabalho, lucro para o dono ou mantenedor da instituição. Logo, trata-se de trabalho produtivo. Ao mesmo tempo, é um trabalho não material, como o definia Marx, se entendemos que seu produto (a aula) não é separável do ato de produção (MARX, 2013, p. 138), embora alguns autores entendam que esse produto seria o aluno plenamente educado, logo, um produto dificilmente apreciável em sua totalidade (PARO, 2018). 

Seja como for, a atividade educativa se submete à divisão do trabalho capitalista na relação de contrato, seja do Estado ou de instituições privadas, o qual define as condições de trabalho e remuneração. A exploração se dá não apenas no ensino privado, cujo trabalho é produtivo, mas também no público, onde o salário dos educadores é muito mais baixo do que o de outros profissionais com nível superior e cujas condições de trabalho são, muitas vezes, insalubres. 

Ao analisar o quadro geral em que se organiza o trabalho de educadores, conforme a LDB, percebemos que a lei busca garantir uma formação em nível superior, estabilidade do ingresso via concurso público, piso salarial profissional e progressão na carreira. Trata-se deum modelo de trabalho assalariado, ou seja, uma “disciplina do trabalho que regulamenta o ritmo da produção, e o quadro legal que estrutura a relação de trabalho” (CASTEL, 2015, p. 419). No entanto, nas últimas décadas, o assalariamento “aproxima-se cada vez mais da lógica e da racionalidade do mundo produtivo, gerando uma interpenetração recíproca entre eles, entre trabalho produtivo e improdutivo” (ANTUNES, 2009, p. 111). 

Em se tratando dos trabalhadores da educação, esta realidade é evidente quando percebemos os subterfúgios utilizados por diversos sistemas de ensino para burlar o concurso público, manter salários abaixo do piso nacional, achatar carreiras e manter os profissionais em condições de trabalho insalubres, em escolas sem meios e instrumentos para um ensino de qualidade. Ao mesmo tempo, montantes astronômicos da verba pública são destinados ao pagamento de juros de dívida pública que enriquecem uma parcela ínfima de donos de capital. 

Assim, os trabalhadores ou profissionais da educação se encontram em uma encruzilhada histórica: por um lado, em eterna luta por maior reconhecimento do seu trabalho; por outro, afetados por processos de precarização que atestam a relação intrínseca entre os elementos que compõem o tripé do sistema de metabolismo do capital: o próprio capital, o trabalho e o Estado (ANTUNES, 2009). 

Àqueles e àquelas que lutam pela valorização do trabalho educativo, entre os quais nos filiamos, cabe a tarefa de refletir e construir meios de resistir às ofensivas neoliberais e empresariais que buscam, a todo custo, reduzir o trabalho educativo a simples trabalho produtivo, a serviço do capital.  É preciso reafirmar a dignidade do nosso trabalho, ao lado também de todos aqueles e aquelas que vivem do trabalho, como caminho para realinhar as forças hegemônicas e nos encaminhar para um projeto alternativo de sociedade, livre da exploração e no qual o trabalho realize seu potencial humanizador, para além daquilo que “explora, aliena e infelicita o ser social” (ANTUNES, 2009, p. 12). 

 

Para saber mais:

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a firmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2009.

BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília (DF). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em 18 de julho de 2021.

CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 12. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2015.

MARX, Karl. Trabalho produtivo e trabalho improdutivo. In: ANTUNES, Ricardo (org.). A dialética do trabalho. Escritos de Marx e Engels. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2013, p. 125-140.

PARO, Vitor Henrique. Administração escolar: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2018 (12ª edição). 


Imagem de destaque: 2RPD2015

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