O direito à vida e o direito à educação

Luiz Carlos Castello Branco Rena

Estamos na semana da volta às aulas… Mas… É hora de reabrir as escolas? 

Nos vemos todos e todas confrontados(as) pelo duro dilema que, perigosamente, instala uma oposição entre o direito fundamental à vida e o direito à educação. Gestores públicos e privados, famílias, trabalhadores da educação e estudantes num diálogo, nem sempre fácil, precisam construir uma resposta a este imenso desafio que emerge da pandemia do novo coronavírus: retomar a educação escolar nas salas de aula ou manter os comportamentos indispensáveis ao enfrentamento da Covid-19? Com mais de 226 mil óbitos, índices crescentes de contaminação na maioria dos Estados brasileiros e os serviços de saúde entrando em colapso em algumas cidades é indiscutível que o direito à vida está ameaçado em alguns lugares e, em outros, está sendo violado. 

Por outro lado, também é fato que o fechamento das escolas por quase um ano, privando crianças, adolescentes, jovens e adultos do convívio escolar e da interação face-a-face com educadores, se configura como uma tragédia paralela. Mesmo com a alternativa de diferentes modalidades de ensino remoto, é evidente que o prejuízo para a atividade acadêmica é grande e para uma grande parte dos estudantes que se encontram excluídos dos recursos tecnológicos é imensa. Quase um ano perdido. 

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é inequívoca em seu terceiro artigo: “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.” A manutenção e a proteção da vida deveriam ser referências éticas que sustentam escolhas e decisões no plano pessoal e nos processos coletivos e na gestão pública. No entanto, o que se constata nas primeiras décadas deste século XXI é uma constante e perigosa banalização da vida. O desprezo pela vida ficou mais evidente ainda nestes últimos 12 meses de pandemia com autoridades e cidadãos comuns descumprindo as normas de prevenção e incitando comportamentos de alto risco. 

O direito à educação é fundamental onde o direito à vida é respeitado e protegido. Só através da educação, em todas suas modalidades, é que se constrói uma consciência da vida como um valor universal e inalienável. O cuidado de si e dos outros é uma atitude permanente que só pode ser incorporada com o exercício constante da cidadania, quando somos reconhecidos como sujeitos de direitos e de deveres para com a comunidade. A decisão de reabrir as escolas deveria ser sustentada no consenso de vários atores diretamente envolvidos, nos dados epidemiológicos que indicam o comportamento do vírus e nas orientações consolidadas pela pesquisa científica recente. 

Não basta o desejo do gestor local que acabou de tomar posse, os argumentos de ordem econômica das entidades patronais da educação ou a pressão das famílias que querem gozar da comodidade de um espaço diário de cuidado dos filhos. O debate sobre a reabertura das escolas deveria incluir a discussão sobre outras possibilidades de percursos educativos para além dos muros da escola e obrigação do poder público dotar as famílias dos recursos tecnológicos para o acesso aos conteúdos e à interação dos educandos com seus educadores e seus colegas enquanto durar o isolamento sanitário. Temos inteligência necessária e capacidade criativa suficiente para produzir soluções e apontar caminhos novos para a educação em tempos de pandemia. O que nos falta é vontade política para mobilizar recursos e esforços para garantir o direito à educação sem colocar em risco o direito à vida. 

A reabertura das salas de aula só poderá ocorrer quando as condições de biossegurança forem asseguradas. A ocupação de uma carteira escolar no momento atual da pandemia poderá significar a ocupação de várias sepulturas nos meses seguintes.       

Coração de estudante
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo…

(Milton Nascimento)


Imagem de destaque: Janete Chargista

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