Divulgação Científica do Grupo de Pesquisa-Ação Universitátis/FAE/UFMG

Sabrina Moreira Santos

O ano de 2020, destacou, ainda mais, a importância das ciências, com a pandemia COVID-19. No Brasil, diversas universidades se mobilizaram em torno de pesquisas em busca de respostas para conter o vírus e as mazelas sociais evidenciadas por ele, apesar do ataque às universidades e a disseminação do anticientificismo que presenciamos nos últimos tempos. 

Mesmo após anos, a frase de Darcy Ribeiro “A crise da educação no Brasil não é crise, é um projeto” ainda é atual. Com o evidente ataque à educação se torna imprescindível a luta contra esse projeto de nação que exacerba nossas desigualdades sociais. Assim, em diferentes espaços, encontramos coletivos que buscam diversas ações com intuito de combater essa política excludente. Na universidade não é diferente. O Universitátis, grupo de pesquisa da Faculdade de Educação (UFMG), é um modelo de grupo acadêmico que visa melhorias sociais, principalmente no campo da educação, focando na Universidade. 

Foi em torno do atual cenário da educação universitária brasileira, e dos ataques políticos ao campo, que conversamos com alguns integrantes do Universitátis. Suzana dos Santos Gomes (professora da FaE), Savana Diniz Gomes Melo (professora permanente e Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão  PPGE/FAE/UFMG), José Ângelo Gariglio (professor da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG e do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE UFMG) e Inajara Salles Viana Neves (professora Adjunta do Departamento de Educação e Tecnologias DEETE da Universidade Federal de Ouro Preto e Colaboradora externa do Mestrado Profissional em Educação – Promestre na Linha de Pesquisa: Trabalho e Educação). 

Sabrina: O que é o Universitátis?

Profa. Suzana Gomes:  O Universitátis é um grupo de Pesquisa-Ação que se propõe a desenvolver atividades não só de caráter acadêmico, mas também de intervenção na realidade social e política que envolva a Universidade. Busca também congregar ativistas sociais. O Grupo conta atualmente com 5 professores da UFMG, 2 estudantes de graduação e 12 de pós-graduação, 2 servidores técnico-administrativos e 2 pesquisadores vinculados a outras instituições. 

Conta, ainda, com a parceria do Instituto Latino-americano de Estudos Socioeconômicos (ILAESE), firmada em 2019, que vem enriquecendo e aprofundando as atividades e debates do grupo, sobretudo sobre o tema da relação entre educação e economia no contexto histórico e atual.

Prof. José Ângelo: Somos um conjunto de pesquisadores e ativistas sociais preocupados com as imensas desigualdades criadas pelo modo capitalista mundial de organização econômica, social e política. Atuamos teórica e praticamente no sentido da permanente luta por construir formas genuínas de organização – pela base – da classe trabalhadora, em coletivos autogeridos, seja em seus locais de trabalho, estudo e/ou moradia. Nosso esforço de atuação maior se concentra atualmente no estudo e debate sobre as seguintes temáticas relativas à Sociedade, à Universidade e à Educação Superior:

A proposição articuladora do Grupo se baseia no aprofundamento crítico e epistemológico marxiano dessas temáticas, visando o debate e a formação de pesquisadores, bem como a sua divulgação e atuação política para além do espaço institucional-acadêmico. Sob tal base, tendo como alicerce uma visão materialista, crítica e anticapitalista, defendemos a nossa independência teórica, metodológica, analítica e prática em relação a partidos e demais poderes institucionais políticos e econômicos.

Sabrina: Qual a organização do Universitátis?

Profa. Suzana Gomes: Diferentemente de outros grupos de pesquisa, para preservar os princípios democráticos que defendemos e garantir uma participação ativa de todos os membros, o Grupo de Pesquisa-Ação Universitátis adota, desde sua fundação, o rodízio da coordenação. Desse modo, todos docentes devem assumir a coordenação do grupo. Essa função é alternada anualmente, podendo haver recondução, se for por consenso

Internamente, criamos uma comissão coordenadora ampla formada por professores, servidores técnico-administrativos em educação e estudantes. Atualmente, atuo como líder e a Profa. Savana é a vice-líder. Além deles, compõe a comissão coordenadora os professores Rosilene, José Ângelo, Inajara; o técnico Administrativo Alessandro e os doutorandos Alex, Francilene, Lívia Damasceno e Rafaela. 

Sabrina: Como o  Grupo de Pesquisa Universitátis se constituiu? 

Profa. Suzana Diniz: O Grupo de Pesquisa-ção Universitátis foi criado em 2015 na Faculdade de Educação da UFMG, quando absorveu o grupo de pesquisa Práxis e reorientou seus objetivos à pesquisa sobre a sociedade, a universidade e a educação superior, em razão da relevância que o tema adquiria naquele momento, no Brasil, em meio a uma série de transformações que ocorriam na educação superior, nas universidades brasileiras e na Educação como um todo. Essa incorporação abrangeu os princípios do Práxis, a sua equipe de pesquisadores, suas instalações físicas e mobiliário, algumas das atividades e os compromissos do grupo do Práxis advindos de projetos anteriores, financiados por agências de fomento, entre elas, a Capes e a Fapemig.

Desde então, o Universitátis vem desenvolvendo atividades de ensino, pesquisa e extensão, sob distintos recortes, em torno de seus eixos e temáticas de estudo. O Universitátis se integrou, como um dos núcleos vinculados, à REDE UNIVERSITAS/Br. Tal rede é acadêmica e reúne pesquisadores de universidades e de diferentes instituições de ensino superior (IES) de todas as regiões do Brasil. Visa à pesquisa e à interlocução entre pares que têm em comum a área do conhecimento “Políticas de Educação Superior”. A rede congrega pesquisadores dos Grupos de Trabalho “Política de Educação Superior” e “Estado e Política Educacional” da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e de várias IES. Nessa condição, os membros do Universitátis participam dos eixos constitutivos da REDE UNIVERSITAS/Br, e do seu projeto de pesquisa atual, intitulado “Políticas, gestão e direito à Educação Superior: novos modos de regulação e tendências em construção”. Atualmente, a professora Savana coordena o Eixo 4 – “O trabalho nas instituições de educação superior brasileiras”, em parceria com a professora Andréa Vale (UFF).

No âmbito internacional, o Universitátis vem buscando ampliar seus estudos, atividades e análises, por meio de articulações com outros países, entre os quais se destaca a Argentina, o Chile, na América do Sul, e na Europa, com Portugal e Espanha. Essas articulações deram impulso nos últimos anos, a pós-doutoramentos de professores do grupo e ao intercâmbio com pesquisadores individuais, grupos de pesquisa e redes internacionais de pesquisadores. Nesse processo, temos tanto trazido convidados à UFMG, como ido às universidades do exterior, para participação em diferentes iniciativas, como composição de painéis em eventos acadêmicos, oferta de minicursos e disciplinas na pós-graduação, reuniões entre pesquisadores, pareceres sobre projetos de pesquisa, e a elaboração de artigos, projetos institucionais e organização de publicação conjunta. Tem-se buscado, ainda, a elaboração de projetos de pesquisa envolvendo os países, sobre as políticas para a Educação Superior. 

Prof. José Ângelo: O Universitátis tem sua origem na luta nacional dirigida pelo Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), sobretudo no movimento que construiu a greve dos professores das universidades federais no ano de 2012, na UFMG, e de outras lutas que se desdobraram posteriormente. Os professores que criaram o Universitátis participaram do movimento denominado Autoconvocados, constituído por dezenas de professores da UFMG entre 2011 e 2012.

Tal movimento foi autogerido exatamente porque, naquele momento, a diretoria do Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte, Montes Claros e Ouro Branco (APUBH) ignorava as greves nacionais em curso no país, nesses anos. 

O movimento auto convocado foi muito rico e fecundo, ao desencadear a adesão dos professores da UFMG à greve nacional, à revelia da direção da Apubh. Tratava-se de uma greve muito importante, por revelar para os professores e estudantes o quanto eram deletérias as políticas para a Educação Superior e o trabalho docente em curso naquele momento, sobretudo sob o impulso do REUNI e da ruptura da carreira docente. Todo esse processo fez com que, três anos depois, o Grupo de Pesquisa Universitátis se constituísse com o objetivo principal de congregar pesquisadores da área da Educação e ativistas sociais para o desenvolvimento de estudos e pesquisas sobre a Universidade e a educação superior, sob diferentes temáticas e intervenção na realidade social.

Sabrina: Quais são as temáticas estudadas pelo Grupo Universitátis

Profa. Suzana Gomes: O Universitátis tem desenvolvido estudos sobre o papel da universidade; políticas para a educação superior, envolvendo áreas como financiamento, gestão, avaliação, formação de professores, trabalho e luta docente, entre outras; políticas empresariais e estatais; ciência e tecnologia; relações sociais de produção, conhecimento e novas qualificações; combate à exploração do trabalho contemporâneo; lutas e movimentos sociais e sindicais; movimentos anticapitalistas; culturas artísticas alternativas.

Por meio de nossas pesquisas e demais atividades e militâncias, nos propomos a abrir e sustentar continuamente um canal e instrumento de divulgação de temas, eventos e resistências considerados relevantes para os trabalhadores

Sabrina: Há algum tempo, a Universidade Pública sofre com cortes orçamentários e sabemos que tais medidas interferem em todos os setores da comunidade. Como observam isso?

Profa. Inajara Nunes: Inicialmente, é necessário esclarecer que esses sucessivos cortes orçamentários na Educação Superior Pública, assim como outras medidas nefastas à educação básica, fazem parte de um projeto que compreende um grande espectro de reformas, em curso no país desde a década de 1990, e que se aprofunda sobremaneira na atualidade. Esse projeto pode ser sintetizado como a redução drástica, ou mesmo a extinção de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, para dar vazão aos interesses dos capitais, em crise.

Um exemplo dessas medidas é o Novo Regime Fiscal, que entrou em vigor a partir da Emenda Constitucional 95/2016 que congela por 20 anos as despesas primárias do governo (gastos do governo excluindo despesas financeiras como juros e amortizações da dívida) corrigidas pela inflação, ou pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Lembrando que mesmo com um “eventual” crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), os gastos das diferentes áreas devem se manter proporcionais aos valores do PIB de 2017.

O Novo Regime Fiscal atua no sentido do aprofundamento do modelo neoliberal implementado pelo governo brasileiro, que visa seguir os pressupostos do mainstream econômico, que se traduz em uma redução da atuação do Estado na economia, por meio da contenção de gastos, com a justificativa de frear a expansão da dívida pública. Medidas como privatizações, terceirizações, juntamente com um arcabouço de reformas (previdência, trabalhista etc.) aprovadas em período recente atuam neste sentido, como referido. 

Outra medida é o Future-se (Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras), alternativa ao atual modelo de financiamento e gestão das Universidades Federais no Brasil contido no projeto de lei enviado por Bolsonaro ao Congresso Nacional. Embora muitas de suas proposições já estejam em prática nas IFES, o Future-se surge neste contexto de crise e tem como finalidade o fortalecimento da autonomia administrativa e financeira das IFES, o que propõe promover por meio de parceria com organizações sociais e do fomento de recursos próprios. 

O Future-se, em essência, é o projeto de mercantilização da educação e o fim da gratuidade nas IFES, utilizando-a como mero mecanismo de internalização dos valores do capital no seio da sociedade, submetendo-a aos interesses do mercado. Desta maneira, a produção de conhecimento científico deve estar subordinada às demandas do mercado e a função social e econômica que a economia brasileira cumpre na atual conjuntura da economia internacional. 

A justificativa para a proposta é a ampliação da autonomia das universidades frente aos repasses da União, o que na prática significa a subordinação das universidades e a consequente produção de conhecimento aos interesses das empresas privadas, bem como um incentivo para que estas passem a viabilizar a criação de Fundos de Investimento (financeirização da educação), tão almejado pelos capitais e meta prioritária anunciada pelo ministro Paulo Guedes.

O programa foi reformulado devido a sua rejeição majoritária pelas principais Universidades Federais. A nova proposta do MEC visa adequar o projeto à Constituição Federal (CF/1988), em especial ao art. 207 que prevê que as Universidades “gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisas e extensão”. O incentivo do governo vai no sentido de aumentar as parcerias entre universidades públicas e organizações sociais (dentre elas, as fundações criadas no interior das próprias universidades – como a FUNDEP) de modo que estas últimas possam receber benefícios do governo para a realização de sua finalidade. Essa mercantilização da vida é um projeto transnacional e os organismos internacionais cumprem um papel importantíssimo, como indutores.  Ao longo dos últimos anos (governos FHC, Lula, Dilma, etc) o Banco Mundial vem atribuindo importância significativa na área educacional, sobretudo porque esta tem relação intrínseca com o setor produtivo da economia e por meio dela pode-se frear as desigualdades socioeconômicas entre regiões. Desta maneira, o Banco Mundial, juntamente com outros organismos multilaterais, vem atuando no sentido de direcionar as políticas educacionais dos diferentes países, mediante investimentos para incentivar as reformas educacionais, no entanto, cobra como condicionalidade a adoção de reformas institucionais (administrativas, previdenciárias, trabalhistas, sindicais e educacionais). 

O contexto de pandemia da Covid-19 abre uma janela de oportunidades aos interesses do mundo empresarial, mais especificamente, aquele ligado ao mercado educacional. A imposição de ajustar a educação superior à modalidade de ensino remoto emergencial, inclusive nas IFES, atende aos interesses das grandes corporações da área educacional e de comunicações, e traz consequências muito graves, que acentuarão os históricos problemas educacionais. Só para citar alguns, precariza o ensino, aprofunda desigualdades de classe entre docentes (devido a disparidade no acesso às tecnologias a depender da classe e função social que ocupa) e, ainda, contribui para justificar a redução massiva de investimentos da área da educação. 

Importante lembrar que a produção de conhecimento é produto do desenvolvimento da humanidade e não deve ser apropriado e restringido ao serviço da lógica do capital. A educação deve estar comprometida com o desenvolvimento integral do ser, da emancipação de toda a espécie, a serviço, portanto, da superação do capitalismo enquanto sistema que oprime e aliena toda a humanidade. 

Sabrina: Como as medidas e ataques às IES do último ano interferiram no que estamos vivendo hoje? 

Profa. Savana Diniz: O projeto dos governos brasileiros pós-1990 são, na verdade, projetos dos capitais sob a hegemonia do setor financeiro, que o Estado (e suas instituições) busca impor e colocar em prática em todas as áreas. Por essa razão, tal projeto deve ser analisado em sua totalidade, à luz de teorias críticas. Sabemos que a educação é reprodutora das relações sociais vigentes e exerce a função de formação da força de trabalho com as qualificações necessárias ao sistema. Portanto, as reestruturações da educação e de seus elementos estruturais e organizativos são funcionais ao sistema.

O capitalismo, em sua fase atual, busca superar a profunda crise que atravessa, resultante de um prolongado processo de desindustrialização. Esse processo requer mudanças profundas no processo de produção de mercadorias, demandando, cada vez mais, tecnologias substitutivas do trabalho vivo. O chamado modelo de indústria 4.0 é a evidência mais cabal dessa reestruturação, com mudanças qualitativas e de relevo que estão em curso nos diversos aspectos da divisão técnica do trabalho, dos mecanismos técnicos de distribuição e produção de mercadorias. Os principais elementos dessa transformação são: Interconexão informatizada entre as diversas etapas da produção, possibilitando seu gerenciamento em tempo real; produção em massa de produtos “personalizados”. A tendência é a emergência de máquinas modularizadas em paulatina substituição das linhas de produção. Módulos de produção distintos poderão ser acoplados e desacoplados de modo a se produzir em massa produtos qualitativamente diferenciados; conexão de todo sistema produtivo em sistemas de informática integrados capazes de realizar tomadas de decisão. Isto significa a implantação de grande quantidade de sensores que forneçam diretamente aos computadores informações sobre o ambiente, a atividade dos trabalhadores e, assim, realizando tomadas de decisão em tempo real, sem necessidade de intervenção humana direta. É o que se chama de internet das coisas.

Com todas essas mudanças, ocorre aumento do desemprego. A atual taxa de desocupação no país já alcançou a marca recorde de quase 50% da população, e o trabalho precário, temporário, intermitente, remoto, ou por aplicativos, tem crescido de forma alarmante, implicando redução de rendimentos e aumento de jornadas de trabalho dos envolvidos. A concentração da riqueza nas mãos de poucos e a generalização da pobreza.

Com esse entendimento, pode-se situar os cortes na educação e perceber como eles estão diretamente vinculados a esse processo de desindustrialização do país e de arrocho salarial que abrange todas as categorias de trabalhadores do setor público e privado. A precarização das condições de trabalho nas universidades vem crescendo desde o governo Collor, passando por FHC, Lula, Dilma, Temer e, agora, Bolsonaro que pretende apagar as luzes das universidades públicas. A piora da qualidade de ensino oferecido é evidente e crescente, ainda que as massacrantes avaliações externas distingam os ditos centros de excelência. Mas elas também apontam a enorme precariedade das IES.E no caso da Pós-Graduação, a avaliação pela CAPES, com sua lógica quantitativista e meritocrática, promove, ao fim e ao cabo, a própria reestruturação da universidade.

São múltiplos os obstáculos postos à expansão da produção de pesquisa desinteressada, para direcioná-la aos interesses mais imediatos do setor produtivo, com vistas ao desenvolvimento de produtos, processos e serviços nas áreas de interesse, com maior potencial de lucratividade. A segmentação entre os professores e TAEs, as carreiras e os regimes distintos; o aumento da competitividade entre docentes; a intensificação do trabalho; a precarização do trabalho; o adoecimento, a degradação das relações sociais no interior dos locais de trabalho, a redução da solidariedade de classe e de posição para a luta são elementos do cotidiano universitário, em muitos casos naturalizado.

Nesse quadro, a universidade é percebida como um gasto desnecessário, supérfluo e deve ser reconfigurada. Emergem muitas questões. Para que investir em educação se não há postos de trabalho qualificados no país? Para que preocupar-se verdadeiramente com a qualidade da educação? Para que servirá a universidade reconfigurada e a quem?  Qual será (ou já vem sendo) o seu papel, ao que tudo indica, em breve não haverá mais Universidade pública e gratuita, orientada pelo tripé ensino, pesquisa e extensão.

O modelo dual propugnado pelo Banco Mundial, de universidade de excelência (ou centros de excelência no caso dos países periféricos) de um lado, e universidades de ensino, de outro, geridas como empresas, com fins lucrativos, e ainda com acesso livre ao fundo público, avança a passos largos. Adeus concurso público, carreira, direitos trabalhistas, estabilidade, aposentadoria etc. Não se trata de pessimismo. Trata-se da realidade. É preciso fazer algo.

Sabrina: A Capes lançou uma portaria alterando os critérios de distribuição das bolsas de pesquisa. Como vocês avaliam essa medida, especialmente no cenário de pandemia da Covid-19.  

Profa. Suzana Gomes: Nos últimos anos, nesse quadro de cortes de financiamento da educação pública, assistimos as agências de fomento à pesquisa sofrerem cortes que estão comprometendo a distribuição de bolsas nos programas de pós-graduação, resultado de uma política que não prioriza educação, ciência e tecnologias. 

Esses cortes se intensificaram a partir de 2017. Com o orçamento comprometido, as universidades federais sentiram na pele e nos trabalhos de produção científica o peso da incerteza financeira. O primeiro a dar sinais de turbulência foi o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) que também financia estudos e pesquisas de milhares de bolsistas brasileiros. Por causa do contingenciamento de verbas, em vários momentos o CNPq anunciou a suspensão das bolsas devido a falta de recursos. A FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) também sofreu perdas orçamentárias e com isso as bolsas não chegaram ao nosso programa.

A portaria da Capes, datada em 09 de março de 2020, alterou os critérios de distribuição de bolsas para programas de pós-graduação. Para muitos analistas essa portaria poderá reduzir as bolsas de pesquisa. O Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Foprop) divulgou nota se posicionando contra a essa portaria, que impacta a pesquisa em todas as áreas, especialmente na área de saúde que vive a emergência pela covid-19, causada pelo coronavírus. 

As principais mudanças são relativas aos cortes em percentuais, de acordo com os conceitos dos programas na última avaliação quadrienal da agência de fomento. As alterações prejudicam cursos de todo o Sistema Nacional de Pós-Graduação, especialmente aqueles em fase de consolidação. No novo modelo de concessão de bolsas de pós-graduação, para mais de 350 instituições de ensino superior públicas e privadas do país a distribuição de bolsas será com base no desempenho acadêmico e no Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) da cidade onde o curso é ofertado.

Atualmente, as universidades e os programas de pós-graduação têm uma determinada quantidade de bolsas de estudos. Se um bolsista conclui a pesquisa, a bolsa é repassada para um novo bolsista do mesmo programa. Agora, as bolsas não permanecerão, necessariamente, no mesmo programa. Um curso de mestrado ou doutorado poderá perder ou ganhar bolsas de acordo com os critérios estabelecidos. Constata-se nessa proposta a tentativa de ratificar o projeto dos centros de excelência. Trata-se de mais uma medida que tem como pano de fundo o processo de estrangulamento da produção da pesquisa no Brasil, sobretudo nas universidades públicas. Essas mudanças geram insegurança e desconforto especialmente para os estudantes que precisam do recurso para terem condições de dedicar exclusivamente à produção de suas pesquisas de mestrado e doutorado, o que pode tornar mais difícil a manutenção da qualidade das pesquisas produzidas na universidade. 

Sabrina: Quais são as saídas para a crise da Universidade?

Profa. Savana Diniz: Os ataques à educação superior pública no país são muitos e se intensificaram nos últimos anos. É preciso identificá-los historicamente. Mas eles não podem ser resolvidos no âmbito interno das instituições, exclusivamente, e menos ainda por meio de ajustes e adaptações, supostamente para enfrentar, amenizar ou postergar problemas de qualquer natureza (reformas de currículo, gestão, financiamento, organização do trabalho, intensificação do trabalho, avaliação, adoção de novas tecnologias etc.). Até as greves nacionais de setores a essa altura são insuficientes, embora necessárias.

Assim como os demais ataques aos interesses dos trabalhadores do país, o enfrentamento efetivo somente será possível por meio de ação coletiva para reverter esse cenário, para promover uma profunda transformação no rumo da situação estrutural do país. Para fundar um novo regime social, sedimentado em outra lógica. A lógica da humanização da sociedade. E a classe trabalhadora brasileira é a única capaz de promover essa mudança de rumo. A saída é um outro sistema. Os trabalhadores dos setores da educação, TAEs e docentes, como integrantes da classe trabalhadora, têm o potencial de contribuir para ou obstar esse processo. Trata-se de uma escolha acerca do lado que servidores federais se posicionam na luta de classe, tão aflorada e inadiável no atual contexto.

* Transcrição da entrevista concedida ao Pensar a Educação em 29/07/2020. 

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