O direito à experiência escolar

Aleluia Heringer Lisboa Teixeira

O grande biólogo e entomologista, Edward Wilson, conta que num só grama de solo vivem cerca de 10 bilhões de bactérias. Costumo dizer que em um corredor de uma escola há milhares de possibilidades de crescimento e expansão do ser por meio da sociabilidade e socialização. O que dizer então de uma sala de aula, uma quadra, um auditório, uma sala de artes ou uma cantina? Escutam-se vozes, gritinhos, rodas, crianças correndo ou inventando novas brincadeiras. Os grupos são feitos e desfeitos num vaivém de fazer as pazes e ficar “de mal”, além do ter que se haver com uma paixão não correspondida. Sentados nas escadas ou nas arquibancadas, os jovens falam da vida, de seus dilemas e sofrimentos. Na sala dos professores ou na copa dos funcionários, os adultos usufruem da mesma riqueza.

Na escola, constroem-se dinâmicas que exigem a competência comunicativa que, além da linguagem verbal, engloba as expressões faciais e toda a gestualidade corporal. Nos grupos que se formam para a vivência do voluntariado – teatro; dança; esporte; música; iniciação científica; rádio; grêmios; ou acampamentos -, o estudante vai se entendendo e elaborando a própria existência com a ajuda dos pares e dos professores. São essas práticas de sociabilidade juvenil e socialização na infância que fazem da educação básica um tempo precioso e indispensável da formação humana.

Muito se fala de competências para o século XXI e todas elas passam pela capacidade de se relacionar, de lidar com as incertezas e resolver problemas. Ora, nada dessa riqueza irá se desenvolver em um ambiente controlado que forja uma falsa realidade. Suprimir o espaço escolar da vida de crianças e jovens, como se o ensino domiciliar fosse o suficiente, é o mesmo que dizer: assista à vida, não é preciso vivê-la. Não é educativo manter crianças em bolhas sem nenhum tipo de exposição ao imprevisto e o contraditório. Bom lembrar que o paraíso tem querubins guardando a sua porta, num sinal que a vida se desenrola é aqui, do lado de fora. O próprio Jesus Cristo disse que não iria nos tirar do mundo, onde a vida acontece, ao contrário, nos enviou para haver com o outro e conosco mesmo. É assim que iremos nos constituir como pessoas.

Por conta da pandemia fomos obrigados a interromper a convivência escolar e expor os estudantes que puderam a horas diante da tela do computador. Essa foi uma situação emergencial, que devemos lamentar, nunca considerar como avanço. A maior tecnologia e inovação que uma escola pode oferecer, não está âmbito dos artefatos tecnológicos digitais, mas na redescoberta e valorização daquilo que passa pelas engenhosas tecnologias humanas: mãos, olhos, voz, pernas e sentidos.

O coreano Byung-Chul Han, professor de Filosofia e Estudos Culturais em Berlim, no seu livro No Enxame, discorre sobre o quanto a comunicação digital é pobre no olhar, sem corpo e sem rosto. Ela tem nos afastado cada vez mais do outro, daí ser pobre em complexidade. Em outra linha, o neurocientista francês, diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, Michel Desmurget, autor do livro – A Fábrica de Cretinos Digitais, diz que a infância de hoje está exposta a uma “orgia digital”. Comenta que vários estudos têm mostrado que quando o uso de televisão ou videogame aumenta, o QI e o desenvolvimento cognitivo diminuem e que os principais alicerces da nossa inteligência são afetados: linguagem, concentração, memória e cultura – definida como um corpo de conhecimento que nos ajuda a organizar e compreender o mundo.

Assim que for possível, voltaremos para a escola e retomaremos as experiências das comunidades vivas que nos deixam marcas e nos fazem humanos. O distanciamento nos permitiu enxergar a riqueza desse complexo ecossistema, repleto de oportunidades que toda a criança e jovem tem o direito de experimentar.


Imagem de destaque: Thomas Park / Unsplash

 

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