No Centenário de Independência, uma estátua da liberdade (RS, 1922)

Terciane Ângela Luchese¹ 

No amanhecer de 7 de setembro de 1922, em Caxias, na Serra Gaúcha, o repicar dos sinos das igrejas se somava ao espocar de baterias de morteiros que saudavam o início das celebrações preparadas para comemorar o centenário da Independência do Brasil. Uma comissão responsável pelos festejos tinha trabalhado por meses e chegava o momento esperado. O programa impresso e distribuído para a população conclamava para os festejos na praça central Dante Alighieri e se seguiriam por quatro dias, de quinta-feira até domingo.

As festividades deveriam ter sido iniciadas com a inauguração solene da Coluna da Independência ou Estátua da Liberdade, como também foi nominada e está representada na imagem que abre este texto. O ato, previsto para o dia 7 só pode ser realizado no dia seguinte, em virtude da forte chuva. O ato de inauguração foi acompanhado por todas as autoridades do município, conselheiros municipais, Tiro de Guerra 248, representantes das sociedades recreativas e esportivas, clero, estudantes e professores de escolas públicas e particulares, imprensa, banda de música e o povo como se pode depreender da imagem. 

Calculou-se a presença de mais de cinco mil pessoas (JORNAL O BRASIL, 16/09/1922, p. 01). O orador foi o intendente, José Pena de Moraes que destacou o valor da República e que o monumento perenizava no tempo a manifestação de “civismo, da nossa cultura e do nosso progresso” (JORNAL O BRASIL, 16/09/1922, p. 01). A banda Lyra Independente, acompanhada pelo coral de vozes dos colegiais uniformizados e empunhando pequenas bandeiras nacionais, entoaram o Hino Nacional. 

A Coluna da Independência foi inaugurada no município de Caxias que, em 1895, fora classificado pelo presidente da província, Júlio de Castilhos, como a ‘pérola das colônias’ e foi vista como “uma obra prima que está à altura dos fins que se destina” (JORNAL O BRASIL, 07/09/1922, p. 6). A coluna media 8 metros e meio de altura, toda de cimento armando revestido de material, um semi-granito. As diversas decorações artísticas seguiam estilo coríntio. “A estátua que representa a Liberdade conquistada pelo Brasil ergue-se majestosa no topo do monumento, afagando contra o peito, com a mão esquerda, a Bandeira Nacional e empunhando na destra um facho de luz com que ilumina o globo” (JORNAL O BRASIL, 07/09/1922, p. 6).

Circundando o monumento estavam dois leões que simbolizavam a força, ambos colocados sobre pilares. A base da coluna media quatro metros quadrados, acima, no pedestal, um medalhão com o busto de José Bonifácio circundado por dois ramos simbólicos e nas demais faces – gravadas em mármore as seguintes inscrições: “O município de Caxias no primeiro centenário da Independência do Brasil”; “Sob a administração de J. Pena de Moraes, intendente reeleito para o quadriênio de MCMXX – MCMXXIV” e “Miguel Angelo Zambelli, escultor, Caxias, 7-9-922”. 

O monumento era cercado por balaústres e no ato de inauguração a coluna foi descerrada, pois um pano branco a encobria, como demonstra a fotografia apresentada na abertura do texto. O monumento foi iluminado por lâmpadas multicoloridas que produziam um efeito “deslumbrante e maravilhoso” (JORNAL O BRASIL, 07/09/1922, p. 6). A própria praça Dante Alighieri passara por reforma, sendo renovada a iluminação e dois coretos para música erguidos.

A Estátua da Liberdade ou Coluna da Independência representa uma interessante herança artística e arquitetônica das comemorações do centenário em Caxias, mas também um pouco das múltiplas facetas do contexto da época. São histórias cruzadas de um município que celebrava a independência do Brasil de Portugal, mas que se constituía por uma maioria de imigrantes e descendentes que pouco dominavam o português e, em sua maioria, desconheciam a história do país. 

Os responsáveis pela obra eram italianos. A começar pelo construtor, Silvio Toigo que realizou ali a sua primeira obra. Chegado como ‘imigrante tutelado’, em maio de 1922, aos 33 anos e vinculado ao fascismo italiano, logo obteve licença como construtor e ficou responsável pela coluna, pedestal e balaustrada da Coluna da Independência. Ele foi, pouco tempo depois, uma das mais significativas lideranças do fascio local. A escultura em si e seus ornamentos foram produzidos pelo escultor Michelangelo Zambelli ou Miguel Angelo Zambelli, filho do escultor Tarquínio Zambelli, ambos italianos. Michelangelo, no início da década de 1920, já era reconhecido como importante escultor com formação em Milão e experiências em Buenos Aires. Com ateliê próprio foi reconhecido pelas inúmeras obras de arte sacra.

As comemorações do centenário foram intensas naqueles quatro dias. A reza de uma missa campal realizada na praça e cantada pelo cônego D. João Meneguzzi. Parada do Tiro de Guerra, Te Deum na Igreja Matriz, sessão cívica com discursos e comemorações foi realizada no Teatro Apolo. E nos três dias seguiram-se juramento à bandeira dos alunos do Colégio Elementar, torneios esportivos, cortejo cívico com alunos, sessões de cinema na praça, baile e outras programações nos distritos. A maioria das atividades com intensa presença e participação de estudantes e respectivos professores. 

Em meio às comemorações do Centenário de Independência do Brasil, também acontecia o lançamento das candidaturas para intendência e presidência da província, com eleições para novembro daquele ano. E o Partido Republicano Riograndense indicou pela quinta vez Borges de Medeiros como candidato para a presidência do estado. As repetidas sucessões somadas ao acirramento e pressões dos grandes proprietários que reivindicavam maior apoio para a economia pastoril em nível estadual, somadas aos descontentamentos locais, tornaram a Estátua da Liberdade um dos espaços para os opositores do Partido Republicano manifestarem seu descontentamento, amarrando ao monumento uma corrente com cadeado e o pichando. O resultado das eleições desencadeou a Revolução de 1923 no Rio Grande do Sul.

E na próxima semana o Giro do Bicentenário continua pelo Rio Grande do Sul com a contribuição da colega, professora Doris Bittencourt de Almeida, para conhecermos outras histórias.

 

1Professora da Universidade de Caxias do Sul. Lidera o Grupo de Pesquisa História da Educação, Imigração e Memória (GRUPHEIM). E-mail: taluches@ucs.br


Imagem de Destaque: JSA 08.04.04 PO, fotógrafo Giacomo Geremia. Acervo do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami, Caxias do Sul, RS.

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