As Teorias da Ação Humana e o Exercício da Cidadania

Antonio Carlos Will Ludwig

Na área da Filosofia, um dos primeiros pensadores que refletiram sobre a ação humana foi Platão. Em um de seus manuscritos, isto é, nos “Diálogos” que contém o seu sistema filosófico, especificamente o Fédon, ele assevera que a ação humana se manifesta por causa do objeto dos desejos pessoais que é a obtenção da verdade a qual é impossível de ser encontrada no transcurso da vida terrena pois as limitações corporais se apresentam como obstáculos intransponíveis. Também segundo ele as concupiscências decorrentes da existência corpórea conduz o ser humano à imperiosa busca por bens materiais que são os responsáveis por todos os tipos de dissensões, conflitos, batalhas e guerras. 

Esta versão platônica se torna bem mais proeminente no pensamento de Hobbes. Em sua avultada obra intitulada “Leviatã” ele assevera que uma das principais ocorrências da vida em sociedade é as pessoas se transformarem em inimigas. Na busca de seus objetivos, dentre os quais se destacam a própria sobrevivência e o sentimento de prazer, os indivíduos empreendem esforços para subjugar e destruir os outros. De acordo com sua concepção, o homem traz dentro de si três fatores que causam discórdias, ou seja, a competição, a desconfiança e a glória. Sem a presença de um poder superior capaz de manter a todos em respeito, o viver diário torna-se uma luta de todos contra todos. Este poder para ele é o Estado, uma instituição decorrente de um pacto que emerge dotado de direito e força suficientes para impor a ordem no âmbito social.

O contratualismo em Hobbes constitui um ponto de ligação com Locke. No entanto, enquanto para o primeiro o estado original de natureza entre os homens é marcadamente caracterizado por contendas, insegurança e violência para o segundo é um estado onde predomina a paz, a harmonia, o exercício da liberdade e a fruição dos direitos naturais inclusive o de punir, plenamente reconhecido por todos os membros do grupo. Esta concepção assenta-se no pressuposto por ele assumido de que Deus deu o mundo aos homens em comum, assim como lhes outorgou a faculdade racional, ambos para serem utilizados com maior proveito para a subsistência e a convivência. A criação do Estado também é vista de modo diferente porquanto ele é decorrente de uma atitude de consentimento e não de constrangimento por parte dos integrantes da coletividade. Conforme ele assevera no “Segundo Tratado Sobre o Governo” os homens reunidos em um agrupamento com vistas a instituir uma sociedade civil ou política precisam abandonar o poder executivo individual conferido pelo estado de natureza e passá-lo à esfera pública. 

No campo da Psicologia a ação humana é explicada por algumas correntes teóricas. Uma delas é a Psicanálise. Tomando por base a obra de Freud, o principal expoente da mesma, é possível perceber que a conduta pessoal é profundamente marcada pela força do inconsciente. Com efeito, segundo ele, a personalidade humana possui uma estrutura composta pelo id, ego e superego. O id constitui a vertente pulsional do indivíduo, o superego é uma espécie de censor que tende a barrar as manifestações pulsionais e o ego se revela o mediador entre o id e o superego. Embora o comportamento de cada uma seja uma resultante do intercâmbio entre estes três componentes, a dimensão não consciente tende a preponderar, uma vez que as tendências instintivas e os sentimentos reprimidos interferem poderosamente nos pensamentos e nas atividades conscientes.

Ao contrário desta, a teoria cognitivista assevera que o comportamento humano é controlado pelos propósitos das pessoas. Duas concepções mais recentes, segundo Moutinho, que se exibem de maneira complementar, constituem expressões dela. A Teoria da Ação Racional aponta que os seres humanos agem em função das informações que possuem e das implicações envolvidas, enquanto que a Teoria da Ação Planejada indica que a conduta pessoal gira em torno do grau de controle da própria conduta e do controle da situação onde se encontra inserido. 

Na esfera da Sociologia tem-se a proposta de Weber que desenvolveu o conceito de ação social significativa. De maneira similar às duas teorias anteriores Weber coloca em relevo o aspecto racional e os fins e valores nela envolvidos. Assim sendo o comportamento de um indivíduo ou de um grupo sempre visa alcançar determinados objetivos através da seleção dos meios adequados. O máximo estreitamento e adequação entre fins e meios com vistas a conter ou eliminar a influência perturbadora de erros e afetos são capazes de elevar significativamente o nível da racionalidade. A validade da ação é resultante da conformidade dela com os valores e convicções assumidos.

De forma diferente, Bourdieu relativiza o poder da razão. Ele parte do pressuposto de que o indivíduo tende a agir de modo parecido com as ações praticadas anteriormente. Algumas semelhanças com experiências passadas possibilita-lhe esperar resultados satisfatórios caso se comporte de modo parecido a condutas prévias. Este modo de se comportar ancora-se nos habitus pessoais, ou seja, nas disposições duráveis consequentes da influência das estruturas sociais bem como das respostas pessoais a situações ocorridas ao longo da vida. Assim sendo, a situação que o envolve juntamente com o habitus condicionam suas ações porém sem determinar totalmente sua conduta pois um relativo grau de autonomia é preservado haja vista que sem ela torna-se impossível fazer alterações nos habitus existentes.

Estas colocações oriundas das diversas áreas do conhecimento nos permitem estabelecer algumas inferências. Pelo que disseram os dois filósofos é possível perceber que a ação humana no decorrer do tempo foi capaz de retirar os homens do estado de natureza e incluí-los numa sociedade civil e política. É nesta sociedade que os indivíduos puderam concretizar o exercício da cidadania. Mesmo levando em conta a intervenção do inconsciente na conduta pessoal bem como a influência do habitus, parece claro que a ação humana envolve a percepção subjetiva e objetiva, a atividade reflexiva, a afetividade, a fixação de metas a serem buscadas e a escolha dos procedimentos adequados para alcançá-las.

Apesar de a ação humana poder ser compreendida de diversas maneiras conforme foi exposto é viável dizer que estas compreensões são capazes de ser enquadradas em uma concepção genérica e abrangente que é a práxis. A esse respeito cabe asseverar que a mesma enquanto elemento primário e imediato da realidade deixa de lado as colocações que emergiram no decorrer do tempo as quais a separaram do ser e da contemplação. Assim sendo o entendimento proposto é aquele que engloba o pensamento em vez de a ele se opor segundo Mora. Este liame entre o agir e o pensar se identifica com o significado convergente de práxis o qual essencialmente exprime a união entre a teoria e a prática.

A práxis em questão, isto é, o exercício da cidadania pode ser encarado como o modo mais expressivo e genuíno de ação política. Parafraseando Vázquez devemos entender a práxis política como as atividades concretizadas por classes e grupos sociais com vistas a transformar a organização e a direção da sociedade bem como a efetivar determinadas alterações por meio da ação estatal. A atividade política se manifesta através de conflitos ideológicos, de projetos e de programas e requer o uso de meios efetivos de luta. Ela visa a conquista, a conservação, o controle e o direcionamento do Estado. Seu nível mais elevado diz respeito à práxis revolucionária que se destina a produzir transformações estruturais na vida em sociedade. 


Imagem de destaque: Pixabay

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