Nação e nacionalismo. Apontamentos históricos para pensarmos o Brasil de hoje

  Natascha Stefania Carvalho de Ostos*

No mundo atual testemunhamos o renascimento de movimentos nacionalistas que, em suas diversas feições, pregam a supremacia da nação sobre qualquer outra forma de manifestação social. No Brasil, setores conservadores se arrogam o papel de porta-vozes do “interesse nacional”, e aqueles que discordam das suas propostas são taxados de “traidores da pátria”. Mais do que nunca é necessário pensarmos sobre o conceito de nação e o fenômeno do nacionalismo. De acordo com o historiador Eric Hobsbawm, não existiriam critérios universais para definir o nacionalismo. A análise histórica do fenômeno revela a sua feição ambígua, fluída, mutável e difusa. Mesmo assim é possível encontrarmos pontos de apoio para compreendermos o nacionalismo e, mais importante, para desmistificá-lo.

Historicamente, a nação quase sempre é apresentada como a forma “natural” de organização das sociedades humanas. A narrativa nacional busca no passado remoto as origens da nação, mas a verdade é que ela é uma criação histórica relativamente recente, remontando aos séculos XVIII-XIX. A solidificação da ideia de nação adquiriu contornos reais graças à existência do Estado que, dotado de aparato administrativo, legal e econômico, conseguiu amalgamar – muitas vezes à força –, elementos agregadores da ideia de nação: língua, etnia, território, história e cultura.

É o Estado que institui e oficializa uma série de símbolos e rituais que passam a representar a nação no nível concreto, possibilitando aos indivíduos vivenciarem, na realidade, o que de outro modo apenas poderiam imaginar. Os hinos nacionais, as bandeiras, os monumentos, os heróis e as festas nacionais seguem esta lógica, remetendo pessoas com origens e histórias muito diferentes a emoções e sentimentos “padronizados”. A disseminação dessas práticas uniformizadoras de culto à nação, em dado território, ajuda a canalizar o sentimento de identidade nacional e de pertencimento, pelo partilhar coletivo de códigos sociais.

Isso não quer dizer que a ideia de nação é totalmente “artificial”, e somente criada pela elite, à revelia das referências culturais das camadas populares. Pois, para que uma identidade nacional tenha ressonância é preciso reconhecer e selecionar elementos da cultura popular, da forma mais ampla e indefinida possível, de modo a esmaecer as diferenças sociais, culturais e econômicas existentes, e criar um denominador comum em um conjunto populacional diverso. Muitas vezes esses elementos culturais selecionados advêm de referências religiosas, expressões linguísticas, tradições culturais e do folclore.

Assim, a nação, construção humana típica da época moderna, necessita legitimar-se em um passado “distante” para perpetuar-se no presente e no futuro. A ideia de nação também se constrói pela figura do “outro”, o estrangeiro, demarcado por critérios de nascimento e fronteiras territoriais. Segundo Benedict Anderson, aqueles que partilham a mesma nacionalidade/origem, vivenciam o afloramento de uma sensação coletiva de “parentesco”, capaz de despertar fortes emoções.

Para compreender o Brasil de hoje precisamos voltar ao debate sobre a nação e o nacionalismo, discussão que muitos julgavam superada diante de um mundo que parecia cada vez mais globalizado e multilateral. Ainda nos dias de hoje a ideia de nação é mobilizada como uma força que transcende os interesses pessoais, colocando-se acima dos partidos políticos, das garantias individuais, das diferenças socioeconômicas, dos sistemas religiosos, das etnias. Alguns movimentos políticos que não querem explicitar seus interesses e ideologias lançam mão do discurso nacionalista para alegarem que seus projetos são “desinteressados” e “apolíticos”, visando apenas o bem da pátria.

O nacionalismo não é em si uma força negativa ou positiva, mas pode gerar comportamentos dos dois tipos. Em sua manifestação positiva fomenta a preservação de culturas e a disseminação de uma rede de solidariedade entre pessoas de dada sociedade. Mas, correntes políticas também podem mobilizar o sentimento nacional de forma negativa, para expressar xenofobia, imposição do pensamento único, justificar guerras e a exclusão política de todos aqueles que não concordam com a ideologia do grupo “patriota”, que se diz único representante legítimo da nação.

Referências

ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência Nacional. São Paulo: Editora Ática, 1989.

HOBSBAWM, Eric. Nações e Nacionalismos desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

* Pós-doutoranda da Fiocruz Minas

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Este texto integra uma parceria entre o Pensar a Educação, Pensar o Brasil 1822/2022 e o Instituto René Rachou (Fiocruz) para promover ações e reflexões em torno da Educação para a Saúde.


Imagem de destaque: Pxhere

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