Mercado de Trabalho como imperativo da EJA? Notas sobre a Resolução nº 01/2021

Daiana Maria da Silva¹

A resolução nº 01/2021, de 25 de maio de 2021, institui as Diretrizes Operacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Um texto sucinto e que discute a EJA sem muitos diálogos com a sociedade, como quase tudo no atual (des)governo. Para além desse vício de origem, traz outras tantas questões que merecem atenção daquelas e daqueles que defendem essa importante modalidade de ensino. 

Para esse texto, destaco o imperativo da dita formação profissional que consta no documento. A primeira questão que me chama atenção é dizer de uma qualificação profissional abstrata, sem explicar como as instituições educacionais serão instrumentalizadas para isso ou nem mesmo considerar a diversidade dos sujeitos do direito à EJA. 

Ao problematizar que muitos dos sujeitos da EJA tiveram exatamente na necessidade de inserção precoce no mercado de trabalho a justificativa para não terem vivenciado experiências escolares ou tê-las interrompido, dizer de uma formação profissional abstrata parece, no mínimo, desrespeitoso com a trajetória de vida desses cidadãos e cidadãs. 

Além disso, propõe para essa formação uma longa carga horária de Língua Portuguesa e de Matemática, excluindo de seu texto qualquer menção às Humanidades e às Artes, algo que também ocorreu, em alguma medida, no texto da Reforma do Ensino Médio. Quais significados explícitos e implícitos a exclusão dessas áreas do conhecimento traz para a educação das classes populares no Brasil? 

Tenho sempre a triste sensação que existe um projeto de fazer da educação pública um instrumental para o mercado de trabalho em funções subalternizadas ou mesmo vender a ideia que existe uma linha reta entre a escolarização e o acesso ao dito mercado de trabalho. Para além de retirar uma perspectiva de criticidade da escola, ao excluir áreas do conhecimento tão caras à formação cidadã, também nega acesso aos outros tantos direitos aos quais a EJA tenta, de maneiras diversas, contribuir para possibilitar.

Por fim, acredito ser importante problematizar que um documento que trata da EJA não pode ignorar os saberes que os jovens, adultos e idosos construíram ao longo da vida, seja pelas demandas do trabalho ou não. Eles são sujeitos de todos os direitos no tempo presente e não somente de um instrumental para um abstrato, para não dizer injusto, mercado de trabalho. Qualquer educador/a que passou por uma turma de EJA sabe das potencialidades escondidas e que as mazelas de um mundo que fabrica desigualdade cotidianamente não permitiram que fossem transformadas em profissão ou mesmo apresentadas ao mundo. 

Para dizer um pouco dessa triste realidade, as fotografias acima servem de exemplo. No primeiro registro um estudante, soldador de ofício, mostra aos colegas de turma esculturas que faz nas horas vagas. A forma como descreve seu processo criativo é de uma sensibilidade ímpar. Na segunda fotografia dois estudantes com extensa trajetória de trabalho. O mais velho é pedreiro e já está perto de se aposentar e o outro está afastado das atividades laborais por conta de um acidente. Ambos vivenciam pela primeira vez na vida a experiência de pintarem um quadro, inspirado nas obras do artista plástico Rubem Valentim. 

Essas são vivências que de alguma forma influenciaram as reflexões iniciais acerca de um documento que precisa ser esmiuçado para que a EJA continue sendo lugar de esperança para quem acredita em outro mundo possível e que a educação é caminho para chegarmos lá. 

 

1 – Professora das redes municipais de Betim e BH. Mestre em educação. Apaixonada pela EJA e por boas histórias.



Imagem de destaque: Daiana Maria da Silva

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