Literatura Japonesa: dois Prêmios, dois estilos

Suelio Geraldo Pereira

A literatura japonesa transita pelos mais diferentes segmentos. Algo que não é estranho a nenhuma outra literatura, embora muitos pensem que ela esteja apenas circunscrita ao universo do fantástico. No qual predominaria a não demarcação de limites, o embaciamento entre a realidade e a fantasia, por conseguinte, o leitor se encontraria no centro de uma hesitação “entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados.” (TODOROV, 1992, p.39). Podemos, claro, encontrar textos fantásticos na literatura japonesa, mas não somente. Existem uma gama enorme de obras japonesas que podem satisfazer os mais variados gostos. 

Proponho, então, que continue comigo nessa leitura e, dessa forma, conheça dois escritores japonês e Prêmios Nobel da Literatura. São eles, Yasunari Kawabata (1899 – 1972) e Kenzaburo Ōe (1935 –). Kawabata, nascido 11 de junho de 1899 em Osaka, tornou-se órfão ainda criança e interessou-se por livros, principalmente os clássicos japoneses, desde a adolescência. Ganhador do Nobel em 1968, destacou-se no universo da literatura por obras como O país das neves, A Casa das Belas Adormecidas, Kyoto... Contudo, considerava Meijin, publicado entre 1951 e 1954, como o seu melhor romance. Também desenvolveu o gênero típico japonês de narrativas breves: Tanagokoro no shôsetsu.

Kenzaburo Ōe tornou-se o segundo japonês a ser galardoado com o Prêmio máximo da literatura mundial em 1994. Nascido em Ōse, uma vila pertencente a Uchiko, na província de Ehime (em Shikoku), começou a ler por influência da mãe. Aliás, foi essa quem lhe comprou o livro As Aventuras de Huckleberry Finn ou A Maravilhosa Viagem de Nils Holgersson através da Suécia, obra de profundo impacto em seus escritos futuros. Alguns dos seus livros são: Uma questão pessoal, Não matem o bebê, Jovens de um Novo Tempo, Despertai!

Kawabata Yasunari é o escritor da ambiguidade. Peculiaridade bem evidente no seu discurso de recebimento do Prêmio Nobel (A Beleza do Japão e Eu), para a qual poderíamos usar o adjetivo aimaina, constante na língua japonesa e significando “vago, dúbio, obscuro”. Essa ambiguidade de fundo, característica nos seus textos, é o sustentáculo de uma atmosfera de mistério, de simbólico, algo que corresponderia ao conceito estético de Yūgen.

Esse “sistema organizado da ambiguidade” de Yasunari, para Cécil Sakai (2007 apud NATILI, 2012, p.153), estaria ligado a uma visão de mundo que se apoiava na fórmula desenvolvida pelo monge Ikkyū: Bukkai iri yasuku, makai irigatashi (“É fácil entrar no mundo dos Budas, difícil no dos demônios”). Essa visão fica nítida nas palavras do próprio autor quando ele nos diz, em seu discurso de premiação, que “Segundo o budismo Zen, nenhum artista que busca obter a verdade, a bondade e a beleza, pode escapar da atração do mundo dos demônios.”, ele ainda acrescenta, em seu elóquio, a instabilidade, o desequilíbrio encontrado pelo escritor nesta busca em que “fatalmente dominado pelo desejo de forçar o ‘acesso difícil ao mundo dos demônios’, […] hesita entre o medo e a oração.” (KAWABATA apud NATILI, 2012, p.153).

Já Kenzaburō Ōe, sem meios termos, às vezes com crueldade, registra e impõe em suas obras os marginalizados, o fanatismo religioso, o poder e as discriminações raciais. Segundo Kato Shuichi (1979 apud NATILI, 2012, p.154), ele é um dos poucos escritores que têm se ocupado de forma clara, sem obscurecimento, dos assuntos mais latentes do sistema social japonês nos anos 1960 em diante.

Como herdeiro da escola do pós-guerra, Ōe acredita que o dever de um escritor é o empenho político-ideológico. Foi e é muito influenciado pela ideia da escrita ser um sistema intrincado, semelhante aos complexos fenômenos da vida. Portanto, reafirmando a analogia entre arte e vida, o mundo da imaginação, da escrita deve afundar suas raízes na realidade. 

Dessarte, como procurei explanar nessas poucas linhas, esses dois grandes escritores japoneses portam de maneiras diferentes perante a escrita e a vida. Enquanto Kawabata mantém um distanciamento, uma ambiguidade (contudo, devemos pensar que essa era a forma escolhida para expressar as suas ideias, um estilo dúbio que, por justamente ser assim, pode criticar e revelar de outro modo), Ōe enfatiza que o escritor deve procurar expor o seu tempo, ser engajado, mesmo que isso possa lhe acarretar problemas. 

Kenzaburō, tendo consciência de que o Japão é um país na periferia da Ásia e do mundo, assume que somente escrevendo da periferia para o centro é possível sustentar uma posição crítica em relação ao centro, como tratar os problemas e a história do seu país verdadeiramente. Por conseguinte, seu estilo e visão de mundo estabelecem essa nova relação com a história, cujos valores necessitam, segundo ele, ser (re)apropriados para criar uma literatura única (nacional), empenhada e, ao mesmo tempo, universal. 

 

Para saber mais
NATILI, Donatella. Beleza e Ambiguidade: os discursos dos Prêmios Nobel da Literatura Japonesa e seus Autores. 2012. 194 f. Tese (Doutorado em Literatura e Práticas Sociais) – Universidade de Brasília (UnB), Brasília, 2012.

TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. São Paulo: Perspectiva, 1992.


Imagem de destaque: Kenzaburō Ōe e Kawabata Yasunari

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