LGBTIA+s nas universidades: existências e saberes a partir de políticas afirmativas.

Leonardo Lemos de Souza*

Marcus Vinicius Mazini dos Santos* 

A universidade brasileira tem uma história marcada pelo elitismo e exclusão. Como um lugar destinado a formar as elites da sociedade, ela garantiu (e ainda garante de várias formas) a manutenção de status e poder na hierarquia social de homens cis brancos não PcDs** de classe socioeconômica média e alta. 

Como projeto de garantia de uma sociedade exclusivista e elitista, ela mantém a restrição de acesso de outros grupos e mantém a legitimização de saberes e conhecimentos que se restringem à perspectiva dominante branca, cisgênera, binária, heteronormativa e capacitista.  

Nos últimos vinte anos, a mudança desse quadro tem sido provocada com a efetivação de políticas afirmativas, por força de Leis ou por iniciativas das universidades públicas e da luta dos movimentos sociais, com cotas para grupos étnico raciais (pretos, pardos e indígenas), para população pobre, para pessoas com deficiência e, desde 2019, apesar dos ataques do governo federal, para pessoas transvestigêneres*** (identidades de gêneros, sexualidades e corporalidades dissidentes da cisgeneridade, binariedade e da heteronormatividade). 

A democratização do contexto universitário só se realiza com o maior acesso às políticas de cotas e de permanência estudantil, que garantem o acesso e a manutenção da presença das pessoas LGBTIA+s no ensino superior. 

Entretanto, ainda é lenta a implementação das cotas universitárias e o enfrentamento diante das violências é cotidiano no país que mais mata pessoas trans no mundo. Sobreviver, acessar e permanecer ainda é um grande desafio. O maior nível educacional desses grupos socialmente vulneráveis é um indicador que puxa outros: melhor empregabilidade, melhor qualidade de vida, maior possibilidade de sobreviver às violências e lutar por uma sociedade mais justa.

A ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e a Andifes (Associação Nacional de Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior) apontam as dificuldades de acesso de pessoas trans ao ensino superior, que têm origem desde os processos de exclusão da educação básica. Quando na universidade enfrentam a escassez de políticas e ações para a manutenção de sua permanência. Além disso, um outro elemento importante é o suporte e apoio para entrar no mercado de trabalho, em suas áreas de formação. 

As políticas afirmativas são mais que a implementação de cotas. Elas são compromissos da universidade com o respeito às diversidades étnico-raciais, culturais, sexuais, de gêneros e das pessoas com deficiências. Precisam garantir a permanência na universidade e devem construir ações para possibilitar a participação efetiva desses grupos (como movimento social, grupos organizados e/ou coletivos) na construção da cultura universitária.

Historicamente, núcleos de estudos, pesquisas e extensão nas universidades têm um papel de luta e de enfrentamento às violências e discriminações contra as pessoas LGBTIA+s, quase nunca com apoio institucional. Eles realizam pesquisas, eventos, debates e ações extensionistas que promovem a visibilidade da população LGBTIA+s fora e dentro da universidade. Tais ações precisam ser reconhecidas pela universidade, transformando estes em parte da política institucional, o que parece ainda não ser o caso da maioria das universidades brasileiras. 

As universidades continuam perpetuando formas de violência que anulam as existências dessas pessoas no contexto universitário e desvalorizam seus saberes. Elas se materializam na negação do direito ao uso do nome social, à contínua invisibilidade das expressões de afetos e das identidades trans e à desvalorização de saberes e linguagens de suas culturas e suas histórias. Poder citar pensadories e artistas, como Linn da Quebrada e Jup do Bairro, produtoras de saberes dessas culturas que academicamente fogem da heteronorma e da cisgeneridade pode ser um ato passível de condenação e invalidação.  

A garantia de acesso e permanência de LGBTIA+s nas universidades é importante para a existência digna dessa população. Ela deve ainda garantir a legitimação de seus saberes, ideias e histórias em que seus corpos e identidades dissidentes do modelo hegemônico possam inventar outras possibilidades de conhecer e existir.  

Revisão: Suome Matheus

*Integrantes do Grupo de Pesquisa Psicologia, Coletivos e Culturas Queer-PsiCUqueer e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Unesp – Assis.

**Pessoas com deficiência.     

***Estaremos utilizando ao longo do texto a linguagem neutra. 

 

 


Imagem de Destaque: Claudio Schwarz /Unsplash

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