Empatia em tempos de pandemia: um professor na sala de aula.

Leonardo Eustáquio Sant’Anna da Silva1

Este texto relata a experiência vivenciada por um professor ao longo da pandemia de Covid-19. A pretensão é compartilhar reflexões oriundas da saúde mental individual e coletiva, dentro e fora das escolas. A empatia sendo tratada como ponto fundamental para o bom convívio humano é tema central do relato.

Na noite do dia 11 de março eu estava me exercitando em uma academia de Brasília. Meu celular não parava de vibrar no bolso, mas eu insistia em não olhar para ele entre um aparelho e outro. Chegou um ponto em que a curiosidade se tornou maior que a concentração na atividade em que me envolviam.

Ao olhar as muitas mensagens de Whatsapp, fiquei surpreso com a possibilidade de o governador mandar fechar as escolas do Distrito Federal no dia seguinte. Mas, até então, a notícia era de um rascunho do diário oficial do DF. Porém, pouco tempo depois, o rascunho foi publicado, entrávamos na quarentena escolar.

O restante da noite e o dia seguinte foi de muitas dúvidas e quase nenhuma certeza. As escolas estarão fechadas até quando? Como vamos fazer com o calendário escolar? Não teremos mais aulas? Quais serão as orientações da secretaria de educação? O que responder aos pais neste momento, com tantas interrogações no ar?

Aos poucos, como em toda crise, as providências foram sendo tomadas. As escolas se organizaram para o ensino on-line em diferentes plataformas. Os professores se desdobraram, mas aprenderam a transmitir suas aulas ao vivo. Passaram a fazer planilhas, apresentações, questionários, transmitir vídeos, dentre tantos outros desafios… conseguimos superar um a um.

Havia um grande medo de desabastecimento. Produtos poderiam faltar? Devemos mesmo correr para os supermercados? Confesso, o racional cedeu ao emocional e embarquei na onda. Fui correndo a um atacadão e procurei produtos para enfrentar a guerra em um isolamento social. Montei a cozinha de um bunker. Macarrão, enlatados, congelados, sempre com vencimentos com datas bem distantes, pensando no pior.

Neste dia no atacadão comecei a sentir falta de ar, coração palpitando, corpo suando e respiração curta. Nada era sintoma de covid, mas um ensaio para uma crise de pânico. Tentei respirar melhor, me acalmar, acreditar que em breve eu estaria fora daquele lugar que até então era do convívio semanal, mas que eu não gostaria de entrar tão cedo.

Saindo de lá comecei a pensar no que aconteceu. O que causou aquela sensação emocional tão forte. Era um lugar amplo, mas estava cheio. As pessoas estavam muito próximas. Mas eu me questionava se estava com medo da doença, de ser contaminado naquele local e as respostas eram negativas. Eu me sentia saudável e alimentando a crença (e a esperança) de que se pegasse a covid eu conseguiria superar sem maiores transtornos ou sequelas. Então, o que estava acontecendo?

Com o passar do tempo me senti de forma semelhante em diferentes lugares, mas sempre procurando observar o que era comum. Qual era o gatilho para esse sentimento. Percebi que supermercados eram lugares de verdadeira preocupação. Hospitais e clínicas não, ali eu me sentia seguro. Não deixei de fazer acompanhamentos com meus médicos, nutricionista e nem me furtei a ir ao hospital com minha mãe (então com covid). Por conta do meu trabalho na escola, continuei a ir todos os dias, sem nunca me sentir mal. O Supermercado era meu fraco.

Com o passar do tempo me dei conta: falta empatia e respeito na pandemia! Esse era o mal que eu estava vivenciando e sintomatizando. 

Ir a qualquer lugar e perceber uma quantidade enorme de pessoas sem máscaras me deixava agoniado, com respiração curta, batimento cardíaco acelerado e uma vontade louca de sair correndo para minha casa. Todo sintoma de pânico, mas precipitado não por questões somente psicológicas, muito por questões ideológicas, por acreditar que deveríamos fazer do mundo um lugar melhor, sempre pensando no todo.

Como é possível em meio a pandemia as pessoas irem a um supermercado e andarem com máscaras abaixo do nariz? Essa pessoa não se cuida? E não cuida dos outros? Ela não pensa que pode transmitir a todos um vírus que ainda não temos controle? Onde fica o cuidado com o próximo?

Meu esgotamento emocional se deu por conta da falta de empatia, não pelo vírus. Pela tristeza ao perceber que um gesto tão simples representa o olhar protetor para com o outro. O fato de usar corretamente uma máscara é uma forma de proteger o vulnerável que está em volta. Mas muitas pessoas simplesmente preferem, provavelmente por um conforto momentâneo (respirar sem máscara), desprezar os demais, sem falar no risco que imputam a si mesmos.

Hoje, passada a primeira onda e observando tantos sem máscaras ou com máscaras hipócritas (soltas, fora de padrão, com nariz de fora, dentre outras falhas), passando pela segunda onda e preocupado com uma possível terceira, me pergunto: onde ficou a nossa empatia em meio a pandemia?

Depois da retomada das aulas temos trabalhado muito as questões sanitárias. Mas compreendo que elas precisam ser trabalhadas junto com outros valores que façam o cidadão pensar não só em si, mas no próximo e em toda coletividade que o rodeia. Que nós, educadores, sejamos propagadores dos conceitos científicos atrelados aos humanos.

 

1 – Mestre em Bioética pela UnB, biólogo e psicólogo, professor e diretor de uma escola particular do Distrito Federal. Graduado em Psicologia (2011) e Ciências Biológicas (1999). Atualmente é diretor do Colégio CIMAN (unidade Cruzeiro). Especialista e Mestre em Bioética pela Universidade de Brasília (UnB). Foi professor de Ética e Cidadania e membro do Comitê de Ética em Pesquisa. São 26 anos dedicados à educação.


Imagem de Destaque: Feliphe-Schiarolli/Unsplash.

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