Educação Física Decolonial e Intercultural

Tiago Tristão Artero

Ainda há espaço para a Educação Física?

Enquanto órgãos de fiscalização e normatização das mais diversas profissões atuam, há aquela que se forja no chão da quadra. Desde a sua “criação” sempre houve espaço para ela. Mas para qual educação física? Aliás, para que serve a (e)Educação (f)Física? Onde entra o corpo, a atividade física e a Educação Física no contexto de uma disciplina escolar? Foi criada para quê? Quais foram as transformações ocorridas na Educação Física no decorrer do tempo?

Nasceu para atender o serviço militar. Somos cria militar e há tentativas para que voltemos a atender os objetivos militares. Sempre houve… Aliás, em certa medida, ainda atendemos e contribuímos para a manutenção do sistema hegemônico atual.

O que significa servir ao sistema hegemônico, uma vez que há outros sistemas e formas de organização social destoantes do hegemônico e, até mesmo, combatidas por ele? Significa manter as bases do colonialismo, do androcentrismo, do etnocentrismo, do antropocentrismo, do patriarcado e dos diversos tipos de opressão, dentre elas, a opressão à Natureza.

Portanto, quando a busca por grupos conservadores é para acabar com a Educação Física, na verdade, querem acabar com uma Educação Física que emancipa e desejam relegá-la a ginásticas e treinos esportivos (possivelmente no contraturno – como já foi, e ainda é, a depender do contexto).

Esses dias escutei que os homens da guarda do Alvorada eram, fisicamente, muito fracos e estranhos. Possivelmente, talvez esperem homens mais fortes, másculos e, quem sabe, brancos, para vestir aquele uniforme branco e carregar aquelas bandeiras. Teria a Educação Física falhado em não desenvolver o físico dos heróis nacionais?

A foto das crianças nórdicas na fatídica reunião da passagem da boiada também, talvez, dê pistas sobre que tipo de nação o Brasil deseja ser ou que querem que ele seja.

Para esse ideário de Brasil, ter um Estado garantidor dos interesses da elite financeira, no sistema empresarial em que vivemos, não basta. Foi preciso que fosse cunhado uma ideia de Estado-nação, com uma cultura padronizada, uma ideia de nação e dimensões de regulação supranacional, eurocentradas.

O projeto de nação que se forja, no mundo todo, igualando pessoas, foi muito mais mortal para os não europeus e a tentativa violenta de igualar tudo como se houvesse uma identidade de nação, mais fortemente, se deu no século XIX, ou seja, muito antes de existir a Educação Física no Brasil.

Com esse aspecto de racismo em torno de um ideário de nação, o Estado se forma com um projeto societário que se coloca como integrado e forte. Este, nega e se desvincula da diversidade de povos, línguas e culturas dos territórios, cometendo genocídio epistemológico em busca de uma identidade nacional, tendo como arma histórica a escola pública.

Diante deste cenário de abordagens pedagógicas etnocentricamente enviesadas, a Educação Física precisa se abrir, não só para outros saberes e práticas, mas para outras concepções de escola, inter e transculturalmente determinadas e situadas em aspectos da interdisciplinaridade.

Nos discursos de meritocracia, (até na escola) busca-se perfis competitivos que alcançarão sucesso, felicidade e bem-estar. Mas não qualquer felicidade ou qualquer bem-estar, mas, sim, o conceito que o sistema atual hegemônico monopolizou.

Uma educação (Física) intercultural precisa situar-se na América Latina, nas suas lutas e diversidade, na riqueza de suas práticas corporais e não somente reproduzindo esportes que vieram da (ou foram inspirados na) Europa.

Quais práticas corporais podem enriquecer a Educação Física e contribuir para sua descolonização e aproximação da interculturalidade? Serão aquelas presentes em cada região, nas múltiplas etnias e cosmologias presentes, ainda que marginalizadas, e no intercâmbio entre práticas corporais de cada região do Brasil e, até mesmo, fora dele, com o cuidado de não reproduzir cegamente os arquétipos padronizados pelo mercado e pelo ideal isomórfico e excludente de somente algumas culturas.


Imagem de destaque: Cadinho Andrade/SECOM UFRGS – Flickr

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