Educação financeira: para quem?

Wojciech Andrzej Kulesza

A sanha destruidora com que o governo Bolsonaro tem acometido a educação pública em todos os níveis não é sem propósito. O que se persegue, insistentemente, é a entrega ao setor privado das fatias mais rentáveis da escolarização. Mas não se trata de uma política de “terra arrasada” que destruísse a escola pública, que deixasse de fornecer matéria prima ao mercado. O que se busca é aproveitar o investimento feito pelo Estado nas escolas públicas para maximizar os lucros das escolas privadas.

Essa abertura desbragada da educação ao capital não tem limites, refletindo-se nos materiais didáticos, no transporte escolar, nos uniformes escolares e até na merenda. A intervenção constitucional do Estado na educação está sendo suprimida para dar lugar a interesses empresariais os mais diversos. E isso instrumentalizado descaradamente pelos órgãos do governo (adrede preparados pela nomeação de representantes do setor empresarial como seus dirigentes), que lhes fornecem todo apoio material e humano.

Esse é o caso do programa do MEC alardeado recentemente pelos meios de comunicação denominado “Educação Financeira na Escola”. Fruto de um acordo de “cooperação técnica” entre o MEC e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários), o programa é dirigido especificamente aos professores dos ensinos fundamental e médio, “contemplando as redes pública e privada, incluindo as escolas cívico-militares” (ênfase minha para mostrar que o programa tem o aval – necessário – dos militares).

O programa visa formar professores, por meio de Educação à Distância, para a “disseminação de educação financeira nas escolas brasileiras”, almejando-se com isso que “os alunos possam desenvolver uma cultura de planejamento, prevenção, poupança, investimento e consumo consciente”. Isto num momento em que, por obra e culpa do governo, a maioria das famílias está endividada devido à redução do seu poder de compra por causa da inflação, do salário minguado e do desemprego em massa.

Depois que os empresários brasileiros da educação decidiram colocar suas ações na bolsa de valores, assumindo de vez sua condição de produtoras de mercadorias, seria inevitável sua aproximação com o mercado financeiro. Operando até então majoritariamente por intermédio de financiamentos públicos, através de subsídios fiscais, empréstimos generosos de bancos estatais e bolsas de estudo para seus alunos tipo FIES, as instituições privadas de ensino adentraram recentemente no mercado de ações.

Objetivando muito mais extrair lucros advindos de sua participação na ciranda financeira do que captar recursos para suas escolas, os empresários se preocupam sobretudo com as imagens de suas instituições no mercado, essenciais para atrair os acionistas. Suas iniciativas no campo da publicidade refinam seu marketing para atingir não somente os grandes meios de comunicação, mas também a imprensa especializada. O vocabulário do mercado de capitais se imiscuiu assim entre administradores e professores.

Nada mais natural nesse contexto, que um programa de educação financeira tenha sido adotado pelos empresários de ensino, ainda mais que ele conta com a parceria de instituições que atuam na área, como ANBIMA, B3, PLANEJAR, SEBRAE e SICOOB, para citar apenas as relacionadas no site do MEC. Como hoje o foco principal das instituições financeiras são os investimentos, o Programa oferece as condições apropriadas para a divulgação de seus produtos entre uma clientela na antecâmara do mercado de trabalho.

Além disso, o Programa abre todo um leque de possibilidade de uma educação continuada na área, com a oferta de cursos de especialização, graduação e até de pós-graduação, que poderão ser alimentados também pelos egressos das escolas públicas do ensino médio que seguirem um “itinerário formativo” focado nessa área. A intenção de estabelecer a Educação Financeira como uma disciplina regular é tão pertinaz que se prevê até a realização de uma Olimpíada Brasileira de Educação Financeira!

Afinal, os banqueiros têm necessidade de pessoal especializado para dar conta de seus negócios cada vez mais globalizados e impregnados com as novas tecnologias de comunicação e informação. Por exemplo, eles precisam de gente com o know-how necessário para abrir uma empresa offshore num paraíso fiscal qualquer. Enquanto isso, a grande maioria da população estudantil brasileira corre o risco de ter mais uma matéria no currículo escolar que versa sobre coisas completamente alheias à sua realidade.


Imagem de destaque: AhmadArdity

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