Educação e leitura crítica da comunicação

Robson Sávio Reis Souza1

Um dos grandes desafios dos(as) educadores(as) na contemporaneidade é lidar com a comunicação de massa da mídia empresarial e a novidade das mídias sociais. Há inúmeros desafios metodológicos, pedagógicos, didáticos, teórico-práticos para os(as) educadores(as). Mas, é preciso considerar que tais mídias fazem parte do cotidiano de nossos(as) educandos(as) e não há como eliminá-las, criminalizá-las ou descartá-las, inclusive do processo de ensino-aprendizagem. Afinal, estão totalmente incorporadas aos modos de vida de todos(as) nós.

E para os(as) educadores(as) que trabalham a partir da perspectiva da educação em direitos humanos: quais os desafios se apresentam no enfrentamento ao que se denomina de manipulação de conteúdo (as tentativas de produção de narrativas de “voz única”) e, também, as “fake news”? Propomos problematizar, mesmo que sucintamente, a relação entre a educação e as mídias (em geral) e as redes sociais (em particular).

As informações da mídia empresarial, eivadas de interesses (políticos, econômicos), e as notícias falsas deslegitimam os processos científicos, educacionais, de construção da cidadania; enfim, se constituem num dos principais dilemas para os educadores contemporâneos. Principalmente, se pensarmos a educação como um processo amoroso de trocas de saberes que objetivam a construção de uma cidadania ativa e ética.

Por isso, pensamos na necessidade cada vez mais premente de os educadores(as) se capacitarem para trabalhar, de forma multi e interdisciplinar, com noções de leitura crítica da comunicação, com vistas a um processo educativo ético e como forma de possibilitar aos(às) educandos(as) modos autônomos, racionais e criativos no discernimento de conteúdos das redes sociais, principalmente das fake news.

Nas décadas de 1970 e 1980, a Igreja Católica, através da União Cristã Brasileira de Comunicação (UCBC), investiu numa metodologia denominada Leitura Crítica da Comunicação (LCC). Essa metodologia tinha como base alguns princípios éticos e de cidadania. Eram oferecidos cursos de comunicação de curta duração a agentes pastorais, religiosos e estudantes secundaristas. O Programa LCC se concentrava na análise dos excessos da televisão, como a violência, a exploração do sexo, a estereotipagem de grupos sociais. Com o auxílio de cursos práticos de produção em comunicação, o objetivo da LCC era que os estudantes do método tomassem consciência da contradição entre os seus valores e os valores propostos pela mídia.

Recentemente, a organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras denunciou a situação de concentração de poder midiático existente no Brasil. Definindo o quadro brasileiro como o “país dos 30 Berlusconi”, a ONG alertou para o perigo que sofre a independência da informação, através do poder concentrado dos grandes grupos de mídia no Brasil. Segundo a ONG, um dos problemas endêmicos do setor da informação no Brasil é a figura do magnata da imprensa, que “está na origem da grande dependência da mídia em relação aos centros [principalmente estrangeiros] de poder”. ”

Ora, para contrapor um discurso quase hegemônico produzido pela chamada grande mídia ou a mídia empresarial, seja nos programas de entretenimento ou nos jornalísticos, cujas fontes são as grandes agências de notícias que ditam normas de comportamento e modos de vida, é preciso criar espaços novos, dialógicos, plurais, de contrainformação e que possibilitem a produção de novas narrativas, interpretações e interações entre os cidadãos.

Há uma nova realidade: a internet e as redes sociais vêm se constituindo como espaços mais democráticos, horizontais e plurais, capazes de suportar a diversidade criadora dos cidadãos e de coletivos e, mais que isso, vocalizar as preferências e as múltiplas vozes que são ocultadas pela mídia empresarial.

Antes éramos apenas receptores de mensagens; agora podemos ser produtores, emissores e também manipularmos conteúdos para transmiti-los e/ou retransmiti-los. Somos atores comunicacionais. Mas, esse novo posicionamento do cidadão em relação à comunicação não impede o fenômeno da manipulação de massas e a passividade imobilizadora frente a uma avalanche informacional. Podemos alterar, para o bem ou para o mal, toda a compreensão dos fatos divulgados pela mídia empresarial. Mas, podemos continuar como sujeitos passivos, impotentes e, inclusive, replicadores de comunicação duvidosa, como por exemplo, as fake news, que recebemos em doses cavalares.

Não podemos desconsiderar que as redes sociais se transformaram numa espécie de “coliseu romano do século XXI”, onde se matam reputações e disseminam-se os discursos de ódio. Mais do que nunca se faz necessária a formação dos cidadãos à leitura crítica da comunicação.

Apesar dos perigos, as redes sociais podem se constituir, progressivamente, numa poderosa ferramenta capaz de levar informações diferenciadas daquelas produzidas pelos veículos tradicionais de comunicação. Ademais, podem problematizar, questionar e aprofundar as notícias veiculadas pelos grandes meios; mostrar quais os interesses ocultos na divulgação das informações e criar condições para que a mídia empresarial se reposicione em termos de única fonte capaz de determinar verdades pretensiosamente uníssonas.

A utilização das redes sociais como uma forma de mídia alternativa e potencialmente comunitária possibilita o estabelecimento de “novas esferas públicas alternativas” baseadas no diálogo e na superação de estereótipos, preconceitos e tabus, uma vez que o processo de vinculação comunitária está relacionado ao resgate da memória coletiva, sem interesse econômico.

Porém, como produtores de informação devemos ter uma apurada consciência ética e política do nosso papel social, político, religioso. E aqui entra a ação imprescindível dos(as) educadores.

Portanto, antes de comunicadores precisamos estimular os nossos educandos(as)  a serem bons receptores, leitores e avaliadores da comunicação que recebem ininterruptamente. Analisar criteriosamente os conteúdos recebidos, checar as fontes, pesquisar as origens das mensagens e quais interesses motivam determinados conteúdos, principalmente conteúdos “sensíveis”, como temas morais, religiosos, etc. torna-se fundamental para o estabelecimento de novos modos de comunicação.

Nada mais importante que retomarmos, como parte de um processo de educação política e à cidadania, os princípios que forjaram, no passado, o projeto da Leitura Crítica da Comunicação.

 

1Coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas e presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos de Minas Gerais. 


Imagem de Destaque: Pexels 

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