Do alternativo ao comercial: a minha trajetória escolar

Mariana Rufino Rosa1

Pensar sobre a minha trajetória escolar é um grande exercício de autoanálise, e, portanto, uma grande fonte de saberes, uma vez que conhecer a si próprio é o melhor conhecimento que podemos adquirir. Diferente de meus pais, cursei a Educação Básica em escolas privadas, tendo iniciado essa trajetória aos 3 anos de idade. Com 5 anos, fui transferida para uma escola com outro tipo de abordagem educacional, o que foi totalmente por acaso, mas impactou muito a minha formação pessoal. Como a escola em que eu e meu irmão frequentamos não tinha Ensino Fundamental II, quando ele se formou passamos a estudar na Escola Monteiro Lobato, a qual utilizava o método de ensino montessoriano até o Ensino Fundamental I. A proposta era muito interessante por respeitar a individualidade dos alunos na hora do aprendizado, os colocando como foco do seu processo educacional. Quase não havia provas e a avaliação ultrapassava os limites do papel. Éramos ensinados a dividir e ajudar o próximo, uma vez que todo material de sala de aula era compartilhado, assim como o lanche, e estudávamos em grupos de 4 crianças ao invés de ter aulas expositivas com professores. 

No Ensino Fundamental II, acabei novamente transferida para outra escola juntamente com meu irmão. Entretanto, desta vez, o motivo da mudança foi intencional, uma vez que meu irmão iria iniciar o Ensino Médio e estava na hora de pensar no vestibular. A escola em que estudei meu Ensino Fundamental e Médio é famosa pelas suas aprovações no vestibular em todo país, e por esse motivo é considerada muito elitista. Dessa forma, me encontrei num meio escolar muito diferente do que estava acostumada. No começo foi um processo difícil, de melhor aluna da sala passei a tirar notas baixas, o que abalou muito minha autoestima. Com isso, me tornei mais tímida, passei a ter pavor de provas e apresentações, por não me sentir inteligente o suficiente, apesar de estudar muito no final obtinha uma nota na média. Porém, a parte mais difícil foi o Ensino Médio, cujo estresse fazia parte do meu cotidiano e de muitos colegas, a ponto de vários pararem no hospital por conta de gastrites ou crises de pânico.

As provas eram semanais e envolviam várias matérias ao mesmo tempo, ou seja, toda quinta-feira, das 13:30h às 17h, eu tinha que ficar na escola resolvendo questões de matemática, geografia e química, e a mesma situação se repetiria na semana seguinte. Toda quinta de manhã ou quarta à noite era normal que eu tivesse dores de barriga muito fortes – uma vez até tive que sair no meio da prova e ir para casa por causa dessas dores. Então, passei grande parte da minha adolescência em uma escola que o método educacional era na base do medo. Medo de não ser a melhor, de não conseguir uma boa classificação – porque lá tinha a lógica primitiva de classificar os alunos, sendo que os 60 melhores ficariam na sala A e A2 onde teriam melhores aulas e provas diferenciadas.

Contudo, demorou para que eu percebesse como aquela escola me adoecia e mais me prejudicava do que ajudava a conseguir uma vaga no Ensino Superior. Assim, no ano do vestibular decidi fazer o terceiro ano junto com o cursinho, pois teria “mais garantia” de uma aprovação imediata. Entretanto, não foi bem assim que aconteceu. Acabei não passando em Direito nos vestibulares que prestei, o que resultou em mais um ano de cursinho. Diante disto, no período das férias, no qual eu já estava mentalmente esgotada, parei pra refletir sobre minhas escolhas profissionais. Será que eu queria mesmo o Direito? Ou só estava escolhendo uma carreira tradicional como forma de garantir aos meus pais que todo o esforço que eles investiram na minha educação iria ser recompensado?

Com isso na cabeça comecei a ler livros de História que sempre tive vontade de ler mas a falta de tempo proporcionada pelas obrigações escolares não deixava. E, nesse período, redescobri minha vontade de estudar. Dessa forma, encarei mais um ano de cursinho, desanimada por conta de todos os traumas mas confiante de ter reencontrado minha paixão. Dessa forma, em 2019, fui aprovada em História na Universidade Federal de Minas Gerais e me mudei para Belo Horizonte. Meus pais queriam que eu e meu irmão estudássemos em escolas privadas por grande parte de nossas vidas, para no final ingressar no ensino superior público, o melhor do país. Esse ideal se reflete até hoje no pensamento das famílias de classe média que investem  muito dinheiro no ensino básico para no final não ter que gastar com a faculdade. Assim, eu e meu irmão tivemos uma educação completamente oposta dos dois, já que esses estudaram em escolas estaduais e frequentam faculdades privadas, e nós estudamos em escolas privadas e ingressamos em universidades federais. 

Ao entrar na universidade, principalmente na licenciatura, questionei e continuo questionando –  ainda mais agora por conta desse memorial – sobre a educação desse país. Estamos criando indivíduos estressados, nutridos pela competição e individualismo, que romantizam o sofrimento por acharem normal e bonito ficar horas sem dormir por causa do trabalho, ter ansiedade e não conseguir relaxar. Minha formação pessoal se deu cercada por estes sentimentos, que eram – e são – totalmente normalizados. Conseguinte, é de absoluta urgência questionar o crescimento dessa educação comercial, feita para aprovações no vestibular e não ensinar. O ensino não deve ser pautado por uma competição para ver quem é mais inteligente, mas sim pela cooperação, a fim de criar uma sociedade menos doente e mais humanitária. 

 

1Estudante do curso de Licenciatura em História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). 

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Esse texto foi escrito inicialmente como memorial para a disciplina Práticas de História I, ministrada pela Profa. Dra. Miriam Hermeto de Sá Motta. Esse texto é resultado de uma parceria entre a coluna Entrememórias e turmas de formação de professores e estágio supervisionado. 


Imagem de Destaque: Steve_a_johsom/Pixabay

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