Direitos Humanos e a Pedagogia Libertadora de Paulo Freire:

Alfredo Johnson Rodríguez1

No atual contexto da “condição pós-moderna” (Harvey, 1992) ou da “modernidade líquida (Bauman, 2010), a incerteza, a instabilidade, a violência, a insegurança e a “colonização do mundo da vida” (Habermas, 1981) pela lógica instrumental, competitiva e individualista do mercado assumem um avanço devastador com um viés desumanizante da convivência humana.

Portanto, mais do que nunca, a adoção de abordagens interdisciplinares e transdisciplinares do currículo escolar e dos processos de ensino/aprendizagem, aliada a atitudes críticas, face aos conteúdos e práticas escolares, por um lado, e às ações e aos movimentos solidários e democrático-participativos da escola, por outro, constituem estratégias sólidas e politicamente vigorosas para subverter a ordem conservadora, autoritária e violenta que assola as instituições.

Numa visão complementar, o grande pensador brasileiro Paulo Freire (1921-1997) sustenta em sua obra seminal “Pedagogia do Oprimido” (1970) que o objetivo precípuo da educação é conscientizar os/as educandos/as, especialmente, aqueles/as que vêm das camadas desfavorecidas da sociedade, a fim de levá-los/las a entender sua situação de oprimidos/as e agir politicamente em favor da própria libertação. 

Freire propõe uma interação dialética com a realidade, em contraposição àquela por ele denominada “educação bancária, tecnicista e alienante, na expectativa de que o/a educando/a seja protagonista de sua própria formação educacional, trilhando seu próprio caminho, e não seguindo um já previamente construído; libertando-se de chavões alienantes. Nesse percurso, o/a educando/a seguiria e criaria o rumo do seu aprendizado à medida que milita na conquista de direitos humanos.

Em termos práticos, a pedagogia libertadora freireana propugna uma prática de sala de aula capaz de desenvolver a criticidade dos/das estudantes. Para tanto, a missão do/a professor/a seria, a partir de uma abordagem analítico-sintética do mundo real, possibilitar a criação ou a produção de saberes, conhecimentos e linhas de ação política, assumindo um papel diretivo e informativo.

Contudo, o/a educador/a não pode renunciar a exercer sua autoridade e, nessa posição, deve orientar os/as educandos/as a abordar conteúdos, mas não como verdade absoluta. Segundo Freire, ninguém ensina nada a ninguém, mas as pessoas também não aprendem sozinhas, “os homens se educam entre si mediados pelo mundo”, dizia (1970).

Essa perspectiva exprime o princípio segundo o qual o/a estudante, alfabetizado/a ou não, traz à escola uma cultura que não é melhor nem pior do que a do/da professor/a, são iguais/diferentes, ambos aprendem interativamente, num clima democrático e afetivo, com o direito garantido à livre expressão e ao diálogo.

Em suma, na pedagogia freiriana, o sujeito da aprendizagem e “da criação cultural não é individual, mas coletivo” (ROMÃO, 2008). Aqui, a valorização da cultura do/a estudante é crucial no processo de conscientização e tem destaque no método dialético de alfabetização preconizado pelo pensador pernambucano, inicialmente visando os adultos.

A teoria educacional crítica de Paulo Freire, até aqui sucintamente esboçada, cimentou seu notável trabalho no que se convencionou chamar de “educação popular, voltada tanto para a escolarização como para a formação da consciência política dos/das oprimidos/as, na perspectiva de um projeto emancipatório e de empoderamento, frente às mazelas do capitalismo, alicerçado numa robusta dinâmica de constituição de direitos imprescindíveis para o pleno desenvolvimento humano sustentável e para a efetiva participação política no contexto da democracia.

Referenciada numa perspectiva filosófica mais ampla, a concepção de Freire corresponde, em última instância, a uma estratégia política de empoderamento e luta dos/as oprimidos/as para subverter o capitalismo e a educação bancária, num movimento de fora para dentro desse sistema opressor.

Nesse sentido, os/as educadores/as tornam-se atores sociais, concomitantemente, iguais aos/às discentes, na medida em que os primeiros são também impactados pelas disparidades socioeconômicas e pela opressão, mas diferentes por dominarem experiências, saberes e habilidades pedagógicas ainda fora do alcance dos/das estudantes. No fulcro desse entendimento, as práticas educativas tendem a ser efetivadas numa interação sociocultural horizontal, tendo em vista que o conteúdo do ensino e da aprendizagem emerge da realidade existencial dos atores educacionais, configurando processos complementares e de mão dupla, ou seja, todos/as ensinam e todos/as aprendem coletivamente numa relação dialógica e democrática.

Considerando a natureza disruptiva do programa pedagógico aventado por Freire, face à realidade sistêmica opressiva, a coordenação do percurso educativo, de construção e avaliação do conhecimento, cabe aos/às educadores/as, que assumem também a posição de lideranças políticas na realização do projeto mais amplo de emancipação popular das mazelas e da lógica do capitalismo.

Certamente, todo esse percurso transformador do cotidiano escolar precisa estar consistentemente articulado e planejado num projeto político-pedagógico coletivamente concebido e deliberado, vislumbrando a instauração de um novo modelo de democracia que, transcendendo a colonialidade, garante o bem-viver de todos/as, no usufruto integral, irrestrito e amplo dos direitos humanos. Eis o sentido da emancipação!

 

1 – Mestre em Ciência Política e Doutor em Ciências Humanas (FAFICH/UFMG). Pedagogo da Rede Municipal de Betim e Professor universitário.

 

Para saber mais 

BAUMAN, Z. Modernidade líquida, Rio de Janeiro, Zahar, 2010.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido, São Paulo, Paz e Terra, 1970.

HABERMAS. J. Teoria do agir comunicativo, São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

HARVEY, D. A condição pós-moderna, São Paulo: Edições Loyola, 1992.

ROMÃO, J. E. Educação. In. STRECK, D.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (orgs.) “Dicionário Paulo Freire”. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008, p. 150-152.


Imagem de destaque: Freesvg

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